Recomeçar é
preciso
A vida é caracterizada por um eterno
recomeço, com personagens diferentes, dada a efemeridade humana. Nossa espécie
é das mais recentes (e mais frágeis) sobre a Terra. Surgiu, por exemplo, 65
milhões de anos após a extinção dos grandes sáurios, principalmente os
dinossauros. Fôssemos contemporâneos dessas bestas, e dificilmente estaríamos
aqui. Mesmo a Bíblia relata que o homem
apenas foi criado depois da existência de todos os outros animais, aves, peixes
e vegetais. Em inúmeras ocasiões, a espécie esteve em vias de ser extinta, em
decorrência de seus próprios erros ou, principalmente, de cataclismos cósmicos
(colisão de cometas, meteoros e meteoritos com o Planeta, mudança do eixo
planetário, erupções vulcânicas, terremotos, maremotos, furacões, tornados e
outras hecatombes). Apesar de não nos darmos conta em nosso dia a dia, esse
perigo permanece e é até maior, posto que o único ser dotado de inteligência na
Terra detém o segredo nuclear. A qualquer momento, por razões naturais ou
provocadas, tudo pode ir pelos ares, sem que reste qualquer vestígio desse
nosso mundinho e de tudo o que ele contém.
Esta geração está escrevendo mais um
capítulo da história da humanidade, iniciada quando o primeiro homem tomou
consciência de que existia e começou a especular: o que sou? De onde venho?
Para onde vou? Por simples que pareçam, essas questões ainda não foram
respondidas e provavelmente jamais o serão. Se os episódios que registrarmos,
na crônica de nossa passagem pela vida, serão positivos --- com a solução dos
problemas que atormentam os povos, geram tensões e nos colocam à beira do
abismo da própria extinção da espécie e destruição do Planeta ---, ou negativos --- cujo resultado final tende a
ser a tão temida (mas pouco prevenida) catástrofe ---, vai depender de
circunstâncias e de ações.
É possível, por exemplo, que em mil
anos, em 2099, fragmentos deste texto caiam em mãos de arqueólogos, que vão se
empenhar para encontrar a "chave" para a sua decifração, como foi o caso
de Champolion em relação à "Pedra de Roseta", mediante a qual foi
possível ler os hieróglifos com que os egípcios descreveram suas idéias e sua
trajetória de progresso, há quatro mil anos. Como a linguagem é dinâmica, é
possível (e provável) que todos os
idiomas atuais terão sofrido alterações tão profundas, a ponto de, se
estivéssemos vivos no próximo milênio, não compreendermos absolutamente nada do
seu significado. Provavelmente, até o alfabeto (ou alfabetos, se existirem,
como agora, várias línguas) venha (m) a ser outro(s).
Estamos diante de um novo ano, o
penúltimo de um século de maravilhas e de horrores e de um milênio de avanços
tecnológicos e de progressos nos
relacionamentos sociais não intuídos nem pelo mais delirante dos otimistas
egípcios, caldeus, babilônios, medo-persas ou gregos, dos tempos, por exemplo,
de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Quanto às realizações técnicas, é até
redundante destacar as maravilhas criadas pelo homem. No comportamento, a
escravidão, embora ainda subsista em diversas partes do mundo, ostensiva ou
disfarçadamente (estima-se em 200 milhões o número de escravos atualmente), é,
pelo menos oficialmente, combatida e inserida nos códigos jurídicos como crime.
As mulheres conquistaram seu espaço e as tiranias começam a ser banidas da
Terra. E a Justiça substituiu o selvagem "olho por olho..."
O que fizermos, não apenas no correr de
1999, mas do que resta das nossas vidas (quantos anos, ou meses, ou dias, ou
horas teremos? Felizmente, ninguém sabe!) pode (ou não) ser determinante para a
nossa sobrevivência na memória dos povos no futuro e para a constituição de uma
sociedade justa, próspera, equilibrada e solidária, sem famintos, desabrigados,
doentes, torturados e excluídos. "A história nunca se repete, a não ser como
farsa". Somos muito mais importantes do que pensamos. Ao sabor do acaso,
pode surgir, a qualquer momento, uma oportunidade para sairmos do nosso
aparente ou verdadeiro ostracismo e marcarmos, para sempre, o nosso nome no
coração e na mente das gerações futuras, como Homero, Platão, Cícero, Virgílio
ou Ovídio. Ou como Átila, Alarico, Hitler ou Stalin. No primeiro caso, seremos
reconhecidos por obras que enriquecerão o acervo cultural da humanidade. No
segundo...como predadores, como feras sanguinárias e doentias, maníacos
homicidas lembrados com asco e terror.
Nossa vida, também, é um permanente
recomeço, do berço à tumba. Nos são concedidas inúmeras oportunidades, pequenas
ou grandes, não importa. Do aproveitamento delas vai depender nosso sucesso ou
fracasso. Os gregos criaram um mito que ilustra à perfeição o que ocorre
conosco: o de Sísifo. Esse herói clássico cometeu um crime intelectual,
desafiando os deuses do Olimpo. Como punição, foi condenado a transportar, por
toda a eternidade, uma rocha até o topo de um monte. Chegando no alto, no
entanto, a pedra voltava a rolar, montanha abaixo, até a base. E Sísifo tinha
que recomeçar a lenta e dolorosa subida, através de séculos e séculos sem fim.
A espécie humana está condenada, em decorrência da mortalidade dos indivíduos
que a compõem, a idêntica sina.
Por mais que nos julguemos racionais,
pouco compreendemos. E essa incompreensão é causa dos nossos erros, temores e
da nossa infelicidade. Humberto de Campos captou muito bem essa ignorância
humana, ao destacar: "Os que envelhecem não compreendem mais o valor das
ilusões que perderam; os jovens não dão valor à experiência que não têm. Há
dois clímax na vida: o passado e o futuro". O presente é tão rápido, que
chega a ser mera abstração. E, no
entanto, temos (ou podemos ter se permanecermos vivos) nova oportunidade, a cada ano que começa, a
cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada hora e a cada segundo que se escoa.
Até quando? Só o "relojoeiro", que construiu esse fantástico e
preciso "mecanismo" chamado Universo, é que sabe...
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Não entendi a datação, ainda que o texto seja de 1999. Não seria cem anos?
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