Mais vida para viver um grande amor
* Por
Mara Narciso
Fui salva pelo
pediatra Dr. José Estevam Barbosa. Num instante veio do seu consultório até
minha casa com uma maleta. De lá tirou uma ampola de cálcio, injetando-o em
minha veia e me devolvendo a vida. Uma infecção intestinal me adoeceu,
desidratei-me e desenvolvi uma súbita hipocalcemia com tetania e morte
iminente. Endureci toda, virei os olhos, e a minha mãe, enquanto esperava pelo
médico, colocou uma vela acesa em minha mão. Eu tinha 10 anos. Salvei-me para
viver grandes amores: viver paixões, me formar, me casar, ser mãe. E muitas
coisas mais.
É tão comum
convivermos com pessoas que tiveram um grave problema de saúde e superaram, que
nem pensamos nisso. Já fiz contas nesse sentido. Meu pai, tetraplégico, estava
acamado há cinco anos, devido a cinco AVC seguidos por cirurgias no crânio. Ele
ficou em situação de morte por 13 vezes e retornou. Ainda que, vivendo em
permanente sofrimento, foi dessa maneira que pude me aproximar dele e lhe dar
afeto.
Num grupo de pessoas
de meia idade, perguntem-lhes quantos deles estariam ali caso a medicina fosse
primitiva? Boa parte pode ter sido salva por tratamentos que as curaram, que
lhes permitiram viver de forma plena ou quase. É tão normal salvar-se que
estranhamos quando a medicina apenas estanca a doença, ou a permite avançar
devagar. E o que dizer das infecções que ainda matam? Custamos a acreditar que
pneumonia ou infecção urinária pode acabar com uma vida. Sem contar as
superbactérias, especialmente a aterrorizante KPC – Klebsiela pneumoniae
carbapenemase, que foram criadas nos antibióticos, e viraram monstros quase
incontroláveis, que vencem pessoas com imunidade enfraquecida.
Há mesas de bar, em
que, se forem juntados os stents cardíacos dos componentes, se computariam uma
pequena fortuna. Pena que, em vez de estarem bebendo pouco, comendo sem
gordura, evitando cigarro e caminhando, fazem o oposto, e afirmam que se for
para viver sem comer feijoada aos sábados, melhor morrer. Ah, esses homens,
refiro-me aos teimosos, que nos dão alegria e preocupação, por sua mania de
fugir dos médicos. Entre suas frases ouvem-se: detesto médicos; médicos não
sabem de nada; quem procura acha; não “faço” toque retal, prefiro preservar
minha dignidade; não confio nos remédios, eles me fazem mal.
Há médicos que têm
prazer em dar más notícias. Eu mesma já me encontrei com alguns deles, ainda
que neguem. Achar palavras na dose certa para falar a verdade, é arte. Adoçar
irrita quem ouve, dar voltas gera desconfiança, minimizar a gravidade não
convém, alarmar o paciente traz sofrimento extra. Há técnicas para se darem
diagnósticos e prognósticos ruins, no entanto, para quem não as detêm, contar
de maneira clara e suave é consenso. É tão bom ser tratado por médico
interessado e humano.
Antigamente, quando
não havia cura para muitas doenças, e, espante-se, no caso de infarto, a pessoa
ia para casa “descansar”, em caso de câncer, não se dizia o diagnóstico, pois
pouco podia ser feito. Exceção: Darcy Ribeiro teve câncer de pulmão em 1974,
foi operado na França e viveu mais 24 anos, morrendo de metástases de um câncer
de próstata, aos 74 anos. O preconceito era tamanho, que, estando exilado,
foi-lhe permitido retornar de imediato ao Brasil.
Há pessoas que notam
algo errado e nada fazem. Não entendo a lógica de se fingir que nada acontece.
É melhor não saber, não tratar e morrer a mingua? Dr. Paulo de Tarso Salermo
Del Menezzi, mastologista, sobre mulheres que não querem descobrir o que têm,
falou que “quem procura acha, quem acha se trata e quem se trata vive melhor”.
Vários concordarão com ele. Então, quem recebe uma nova oportunidade, que faça
valer a vida que tem em sua frente. Que viva da melhor forma, ainda que, em
alguns casos, com limitações. Trata-se para viver, e não para se lamentar.
Afinal, tudo pode acontecer, inclusive nada. Então, que tal buscar uma boa
razão para viver?
*Médica endocrinologista, jornalista profissional,
membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico,
ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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