Gol
redentor
* Por Daniel
Santos
Sei, hoje, quem ele é, ou penso saber,
e me retraio. Nem tanto por medo, pois, homem feito, tenho bons punhos. Mas a
impressão, forte impressão, é que, desde sempre, tem planos para mim. Mas o
quê?
Quando bem pequeno, ele convenceu meu
pai a liberar-me aos treinos de futebol. Trabalhava como técnico infantil e me
queria em campo. “O garoto tem futuro”, avaliava. E a família acabou cedendo.
O que sou devo à sua publicidade. Mas,
ao me perceber agradecido, tomou-me o
relógio e disse que, a partir de então, controlaria meu tempo! Criança demais
para avaliar a gravidade daquela subtração, assenti.
Daí em diante, tudo melhorou. Ganhei
fortunas, alcancei invejável notoriedade. Mas ele sempre me aparece na penumbra
do túnel de acesso ao vestiário, na calçada oposta, num vagão de metrô, na
arquibancada ...
O tal me olha e consulta o relógio. Com
os anos, ele se enche de expectativas e eu, de presságios. É como se a partida
estivesse já perdida, mas imploro por um minuto a mais de jogo, a ver se faço o
gol redentor.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
O portador do relógio passou a ser o dono da vida e da morte, uma espécie de big brother. Sinistro.
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