Lampejo que resultou numa obra-prima
A origem de muitos livros – e aqui estou pensando,
especificamente, nos de ficção – é, às vezes, puramente casual. Você está em
uma roda de amigos em que a conversa é trivial. Alguém conta um caso, desses até
comuns, sem nada de especial. Porém, em determinado momento, o tal sujeito cita
uma circunstância que lhe produz, sem que se saiba a razão, repentino lampejo,
como velocíssimo raio de luz. Você, intimamente, diz para você mesmo, quase que
automaticamente: “Isso dá excelente história”. Caso leve a sério e dê ouvidos a
essa voz da intuição, poderá produzir um romance genial, que lhe garanta o tão
sonhado sucesso literário. Claro, há uma série de condições a serem
preenchidas. A principal é que você seja escritor preparado, criativo, aplicado
e trabalhador etc.etc.etc. Afinal, Literatura (a boa) tem só um tantinho, e
ínfimo, de “inspiração” e um tantão enorme de “!transpiração”.
Muitos livros de ficção nascem de outros livros que você
esteja lendo ou tenha lido. Não se trata de plágio. Como no caso de conversa
com amigos, que citei, determinado trecho da obra em questão que estiver lendo
pode produzir o tal repentino e velocíssimo lampejo, como o que às vezes é produzido
no tal bate-papo informal. E o processo para a redação do “primoroso” romance
que pode projetá-lo no cenário literário é o mesmo que citei antes, com
idênticas condições. Foi assim, por exemplo, de forma tão casual, que nasceu o best-seller
“A casa das sete mulheres”. Pelo menos foi o que sua autora, a gaúcha Leticia
Wierzchowski, revelou em entrevista exclusiva que concedeu em julho de 2010 ao
portal SaraivaConteudo (WWW.saraivaconteudo.com.br),
com revelações sobre seus gostos, sua trajetória literária e seu início de
carreira, entre tantos outros assuntos.
Mas deixemos que ela própria diga como surgiu a idéia (vitoriosa,
sem dúvida) para escrever “A casa das sete mulheres”: “Tem um autor gaúcho, que
mora em Florianópolis, Tabajara Ruas, um dos grandes autores brasileiros vivos.
Ele tem livros lindos: ‘O amor de Pedro por João’ e ‘Os varões assinalados’. A
história de ‘A casa das sete mulheres’ surgiu da leitura de ‘Os varões assinalados’,
que primeiro foi publicado como um folhetim em um jornal. Quando saímos para
lua de mel, eu e Marcelo compramos livros... [risos] Minhas irmãs: ‘Não é
possível! Vocês levando livros para a lua de mel...’ [risos] E Marcelo leu
antes ‘Os varões assinalados’, um livrão de 600 páginas, e disse: ‘Eu não vou
falar nada pra ti, mas tem uma história nesse livro que acho que tu poderias
contar’. Eu li o livro e fiquei impressionada: é avassalador!!! É um romance
que conta a Revolução Farroupilha através dos homens, os varrões que fizeram a
guerra”.
A seguir, Letícia revela o trecho específico que lhe fez
passar pela mente o tal e velocíssimo “raio de luz”, o insight para que
pensasse seriamente em escrever um livro, partindo daquele detalhezinho particular.
“(...) Tem um paragrafinho em que o Bento Gonçalves levava o Giuseppe Garibaldi
para uma estância, para um jantar, para apresentar a família, e falava: ‘Agora
você vai conhecer a casa das sete mulheres’. E, rapidamente, mostrava que Garibaldi
trocava uns olhares com a Manoela [de Paula Ferreira]. E citava uns nomes, que
davam sete... Nunca tinha parado para pensar na Revolução Farroupilha e muito
menos no ponto de vista de uma mulher”, revelou Letícia.
Mas a criativa e persistente escritora gaúcha não ignorou
aquele súbito insight, como a maioria, em circunstâncias semelhantes tende a
fazer. Levou-o a sério. Amadureceu a idéia. Tomou as primeiras providências
para fazer daquela súbita inspiração algo concreto, porém com muita, com
muitíssima transpiração, o que qualquer obra literária de qualidade requer. “Quando
peguei o romance do Tabajara e me deparei com personagens que estudamos na
escola, com nomes de ruas, que foram humanizados, fiquei impressionada. ‘Isso é
um filme!’ Então liguei para o Tabajara: ‘Taba, eu posso escrever uma história
pegando o mote dessa passagem?’ Ele falou: ‘Claro! Imagina, que legal’ O José
Guimarães já escreveu uma novela curta que chama ‘Amor de perdição’, um breve
encontro entre Manoela e Giuseppe Garibaldi. Nas memórias do Garibaldi, ele
falava sobre ela... Eu saí atrás”.
A partir desse momento, “A casa das sete mulheres” começou a
nascer. Letícia iniciou o planejamento sobre o que pretendia abordar, embora a
trama ainda estivesse sumamente crua em sua mente. “(...) A história que eu
queria começar a contar era a história da Manoela: uma mulher bonita, de uma
família rica e importante do Rio Grande do Sul, que se apaixona por um
aventureiro. Garibaldi quando chegou aqui [em Porto Alegre] não tinha ido para
a Itália fazer toda campanha italiana. Ele era um cara com a cabeça a prêmio na
Europa. Por causa dessa paixão, Manoela morre virgem e louca, vestida de noiva,
num sobrado, chamando por ele. Isso me impressionou. Daí comecei a escrever o
romance”.
Todavia, quando você está empenhado em uma tarefa desse
porte, a de redação de um livro, a vida não para até que você o conclua. Muito
pelo contrário. Tarefas domésticas, despesas, incidentes inesperados, viagens
não programadas (ou mesmo programadas) e outras tantas circunstâncias fortuitas
podem aparecer (e quase sempre aparecem) em nosso caminho, atrapalhando a
concentração. Se você souber driblar tudo isso, poderá concluir o romance. Nem
sempre a gente sabe. “ (...) Nesse meio tempo, me mudei para São Paulo, e me
deparei com uma questão: eu tinha quatro livros publicados, mas todos por
editoras gaúchas. Eu chegava a São Paulo e não encontrava um único livro meu
para vender. O próprio Tabajara me indicou para a Record. A Luciana Villas-Boas
gostou do meu trabalho e publicou de cara uma reedição de ‘O anjo e o resto de
nós’. Eu falei: ‘Talvez você tome um susto. Se você não quiser essa história
não tem problema nenhum. Estou escrevendo sobre uma revolução do século XIX
contada pelo ponto de vista feminino. Não sei se vai ter alguém que queira ler’.
Ela riu e falou: ‘Me dá esse livro para ler’”
Deu no que deu. Letícia narra na citada entrevista exclusiva
para o site “SaraivaConteudo” o resultado dessa conversa com a representante da
Editora Record. “(...) Ela (Luciana Villas-Boas) leu e logo depois falou: ‘Acho
que esse livro vai fazer muito sucesso. Inclusive, acho que esse livro vai para
a TV. Vou publicar’. Ela foi muito visionária. Terminei o romance e a Record
publicou em abril [de 2002]. A carioca Lúcia Riff, minha agente literária,
enviou meu livro para a Globo. Não sei que engrenagens se moveram... Maria
Adelaide Amaral estava fazendo uma adaptação de uma minissérie, ‘O capitão
mouro’ [de Georges Bourdoukan] e por algum motivo perdeu os direitos do
trabalho. Eles ficaram sem nada para colocar na grade. Uma coisa rara porque,
às vezes, a Globo compra os direitos e passa 20 anos até levar ao ar, como ‘Mad
Maria’ [de Márcio de Souza, adaptado por Benedito Ruy Barbosa]. Eu publiquei
meu livro em abril e em setembro recebi um telefonema da minha agente dizendo
que eles queriam comprar os direitos para a minissérie”. O resto da história
não é necessário repetir. “A casas das sete mulheres” foi o sucesso que vocês
conhecem, tanto editorial, quanto televisivo.
Portanto, caríssimo escritor que me dá a honra de sua
leitura, nunca ignore esses súbitos, inesperados e aleatórios lampejos de
inspiração, esses velocíssimos e quase imperceptíveis raios de luz, esses
insights que podem, até mesmo, nunca mais se repetir. Claro, não deve se fiar,
apenas, nesses misteriosos momentos e nem se deixar enganar por eles. Nenhuma
obra, muito menos uma com potencial para se transformar em best-seller, virá
prontinha à sua mente, como num passe de mágica. Isso não existe. Você terá que
trabalhar, e muito, para produzir a obra-prima com que tanto sonha. Se o
fizer... talvez obtenha o mesmo resultado, se não muito maior, que Leticia
Wierzchowski obteve com “A casa das sete mulheres”. Talvez... Essa incerteza é
o preço que você terá que pagar por ser escritor.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Boas dicas. A minha fonte é o consultório. São quase 36 anos falando com mais de vinte pessoas por dia, que contam suas histórias e de pessoas próximas. Uma fonte inesgotável de enredos.
ResponderExcluir