O
ódio e a guerra aos meninos pobres do Brasil
* Por
Emir Sader
De volta ao Brasil
depois de muitos anos fora – que incluíram toda a década de 1970, portanto
grande parte da ditadura –, o que mais me impactou foi uma cena que vi na
televisão. Não me lembro se era uma propaganda ou uma ficção. Uma mulher
caminhava por uma rua deserta, à noite, com pouca iluminação, quando na direção
oposta vem um menininho negro.
À reação espontânea de
se debruçar sobre o menino, perguntando onde ele mora, onde ele estava indo
naquela hora, como se ele chama, etc, se contrapôs um atitude nova. A mulher se
apressa em cruzar a rua e se distanciar
do menino, com evidente medo e pânico mesmo de ser assaltada.
Me dei conta ali que
algo de muito profundo tinha mudado no Brasil com a ditadura. Ao invés de gerar
piedade, atenção, cuidado, o menino pobre era sinal de perigo. Os meninos
pobres do Brasil estavam incorporados às classes perigosas, aquelas que
representam risco para a propriedade, para a integridade física dos que possuem
bens e se sentem vítimas possíveis de assaltos.
A aprovação, numa
comissão da Câmara, da diminuição da idade de maioridade penal, é uma continuação
e consolidação daquela atitude. Neste caso, a maioria dos deputados ouve falar
de menino pobre e não cruza a rua, mas saca o revolver.
Assim as “elites”
políticas, eleitas com o financiamento das grandes empresas privadas, tratam os
meninos pobres do Brasil – a grande maioria da infância e da juventude, a
maioria da população brasileira. Trata-se de desatar uma guerra aberta, agora
com cobertura legal, contra os meninos e jovens pobres. De usar o aparelho
legal, além do policial, para condená-los às sórdidas prisões, pelas quais
nenhum desses deputados se interessa – porque não são filhos dos seus
eleitores, nem parentes dos seus financiadores.
Os meninos e jovens
pobres não suscitam atenção e preocupação da grande maioria das elites
políticas, apoiadas numa opinião pública envenenada pela manipulação da mídia
privada. Suscitam posturas de encerramento nas masmorras, das quais só sairão,
se saírem, diplomados pelo crime organizado. Porque nem o Judiciário se ocupa
de que a função oficial de recuperação social seja minimamente cumprida. A
condenação às prisões é a condenação à morte social. A isso querem condenar
agora também os jovens de entre 16 e 18 anos.
A forma como uma
sociedade trata dos meninos e dos jovens é a forma como pensa seu futuro. Neste
caso, se está excluindo a grande maioria do futuro, reservado apenas aos que se
deixam levar pela mentalidade de ódio e de guerra contra os meninos e os jovens
pobres do Brasil.
* Sociólogo e
cientista político
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