sábado, 6 de junho de 2015

Devaneios de uma roqueira  1

* Por Fernando Yanmar Narciso


CAPÍTULO 1 (PARTE 2)


- Tô atrapalhando alguma coisa, prima?- Resolvi me meter na presepada.
- Opa, opa, opa! Olha só quem resolveu acordar, sô!- Ela finalmente solta o freguês, que desmancha no chão que nem um pudim mole.
- ‘Ocê’ não muda mesmo, hem, Barbie?- Minhas pernas mal me obedeciam enquanto cambaleava até o balcão.
- Ó quem fala! Foi uma senhora noitada hein, cumádi? Dois dias no limbo...
- Faz aí um leite com abacate e um café duplo, pra ver se eu consigo pelo menos andar até a cidade...
- Deixa comigo. Liga pra essa pancadariazinha não, só outro otário querendo sair sem pagar...
- Mais um pra coleção...
- Mas aquela apresentação que a gente fez em Juiz de Fora no sábado foi um arraso! Nem em um mês trabalhando aqui nessa ratoeira nós ia conseguir tanto dindim!
- Ah, nem me lembro de nada do show...
- Mas vai lembrar rapidinho... Vai ali ao banheiro e dá uma olhada nas suas costas!
- Minhas...

Ainda sem entender nada, fui ao toalete pra ver do que se tratava. Fechei a porta, liguei a luz, puxei meu beloso pra frente, me olhei no espelhinho da parede... E meu berro de pavor foi tão alto e estridente que as lâmpadas do restaurante, o espelho do banheiro, os copos da prateleira e as lentes dos óculos de minha prima se estilhaçaram! Uma coisa horrorosa, um monstrengo enorme, uma pintura de inseto tenebrosa adornava minhas costas indo dos ombros até quase entrar pela bunda!
- AAAAAAAAHHHH! QUE MONSTRO É ESSE NAS MINHAS COSTAS?!- Derrubei a porta do banheiro com o ombro em brasa, e comecei a raspar as unhas com força pelo corpo, ali mesmo na frente de todo mundo, como num show de descarrego- SAI DAÍ! SAI! SAI! SAI!
- Faz isso não, prima! Isso é tatuagem, não é pintura!
- Como... Como essa tattoo horrível foi parar aqui, Barbie?
- Pronto, esqueceu mesmo... Bom, depois do show uns caras foram visitar a gente no camarim com uns goles fortes pra caramba e umas pastilhas esquisitas pra uma farrinha. A gente ficou doidona demais e muito depressa, um deles era tatuador... Encurtando a história, te achei ontem pelada e jogada na calçada do posto, com isso aí nas costas. ‘Tava’ tão noiada que nem acordou quando te trouxe pro quarto...
- Kurt Cobain, que tragédia... E ‘ocê’ nem pra tirar o rei da agulha de cima de mim! Ai, minha cabeça... E quanto eu perdi nessa burrada?
- Seu cachê.

Putz, meus olhos ficaram quase do tamanho do pires com a xícara de café que minha prima me serviu. Poderia me preparar psicologicamente pra ouvir qualquer resposta, menos aquela!
- QUÊ? Eu gastei tudo o que eu ganhei no show... NISSO?!

Bati a cabeça três vezes com força na quina do balcão, de tanta raiva que senti de mim mesma. Minhas lágrimas poderiam rivalizar em volume com a urina que escorria pelos bancos dos fregueses, que ainda estavam assombrados com a pancadaria da minha prima de cinco minutos atrás. POR QUE EU?!
- E pra coroar, ainda tô atrasadaça pro trabalho!
- Relaxa, cumádi...

Comecei a tomar tudo numa golada, até quase engasgar.
- Não toma tão depressa, sô! Vai acabar enjoando de novo!
- Cadê meu violão?
- Tá mal mesmo, hem? Acabou de colocar o estojo nas costas e já esqueceu...
- Âhn? Ah, sim, sim... Cabeça a minha... Tchau, Barbie.
- Te cuida, prima...

E lá me fui pela estrada de chão, mais ou menos pronta pra receber mais umas porradas da vida... Corre atrás do mundo que ele é teu, Lexi! Bye, bye!

Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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cyberyanmar@gmail.com

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