O
tombo
* Por Rodrigo
Ramazzini
Era uma quarta-feira. Estava em meu
horário de almoço. Havia passado em uma loja de conveniências e comprado alguns
chicletes. Depois do almoço sempre é bom mascar chicletes. Descascava um ao
lado de uma lixeira pública. Sabe como é, consciência ambiental, embalagem no
lixo, coisa e tal. Lutava contra a grudada embalagem do chiclete quando
avistei, do outro lado da rua, vindo em sentido contrário, uma linda morena de
cabelos lisos esvoaçantes. Cabelos iguais a dessas modelos de propaganda de
xampu. Caminhava com um charmoso bailar dos quadris, e a leve brisa que soprava
naquele dia, associada aos belos raios de sol, fazia com que os cabelos
irradiassem um brilho especial, movimentando-se de um lado a outro dos ombros.
Como se não bastasse tudo isso, a bela
morena chamava a atenção, também, por estar toda de preto. Bota, calça
coladinha, e uma blusa que contornava os fartos seios e a fina cintura. Um
visual “mulher fatal”.
Fiquei a admirar a morena que desfilava
em frente aos meus olhos, enquanto descascava o chiclete, pensando de forma
politicamente correta, como era bela aquela mulher. Foi então que ouvi, saindo
de uma construção próxima, de um dentre os vários trabalhadores da obra, o
grito que materializava os meus pensamentos:
- Oh gostosa! Gostosa! Peraí morena!...
Aonde vai com tanta presa?
A morena (como todas as mulheres nesta
situação) encheu-se de orgulho e auto-estima. Vi em seu rosto o leve sorrisinho
de satisfação. Passou a mão no cabelo e seguiu de peito estufado e bunda
empinada, caprichando no bailar dos quadris. Como um mero espectador da vida
cotidiana, assisti a mais essa cena, pensei “tem razão o cara!” e já estava de
saída, pois finalmente conseguira abrir o chiclete e colocar a embalagem no
lixo, quando o destino aprontou.
Sob o olhar atento da turma de
trabalhadores, a morena caminhou por alguns metros com a sua bota de fino
salto, e por descuido, na calçada defeituosa, colocou o salto em um buraco e
torceu o pé esquerdo. Mesmo com toda a habilidade e swing, a morena não
conseguiu evitar a queda. Caiu em câmera lenta, como se diz, batendo com um dos
joelhos no chão.
Um silêncio pairou no ar. Meu, dos
trabalhadores da construção, e do restante da rua que viu o tombo. Teria a
morena se machucado? A resposta veio com o seu rápido levantar. E antes que ela
recomeçasse a caminhar, da mesma construção anterior, não perdoando nem mesmo a
bela morena de cabelos de propaganda de xampu, veio o grito, sepultando a pior
sentença possível nesta situação:
- Oooh boca-aberta!
* Jornalista e cronista
Crueldade.
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