O que pode dar certo?
* Por
Clóvis Campêlo
Tudo bem, admito que
alguns só se interessem pelo que pode dar certo. Em nome das utopias, porém,
peço clemência. O que seria do homem moderno sem o direito de sonhar e
idealizar coisas? Não me arrisco a responder. Como diria o meu amigo Renato
Boca-de-Caçapa, o mundo é uma bomba chiando. A qualquer hora pode explodir. É
necessário, assim, que existam válvulas de escape bem ajustadas. As utopias nos
servem de contrapeso à dureza da existência. Imaginar e idealizar é preciso,
portanto.
Porém, nem tudo o que
se pense e se idealize será viável nesse mundo de usuras. Assim, por um senso
precioso de justiça, se a produção agrária de um país só lhe permite comer um
quilo de feijão por semana, comer dois significa tirar o feijão da boca de
alguém. Mas, numa sociedade de consumo que estimula o individualismo e a
concentração de renda, será que alguém mais além de mim se arriscaria a pensar
assim?
Nesse mundo complexo e
perdulário, talvez nem mesmo se tenha o direito de pensar dessa maneira. Esse
tipo de pensamento comunista exigiria um esforço de reeducação muito grande e
desprendido. Talvez eu esteja querendo demais.
Hoje se inventa e se
produz de tudo no mundo mecanizado e industrializado. A finalidade dessa
produção não é atender às vicissitudes primárias do cidadão, mas sim criar
falsas necessidades, alimentando vaidades e ambições doentias.
Não acredito em quase
nada do que o Papa fala, mas quando ele se coloca contra o consumismo excessivo
e deletério, não posso deixar de lhe dar razão. Não é a toa que o filósofo do
povo acima citado, nos delírios etílicos nas mesas dos bares do Recife, costume
dizer com ênfase que o consumismo é pior do que o comunismo. Homem do povo,
dado a libertinagens e teorias libertárias, coerente com o seu modo incômodo e
anticapitalista de ser, nunca o vi defender nenhum sistema de acumulação de
bens. Como afirma com veemência, isso só existe no “mundo civilizado”. Aqui,
somos educados para a nulidade e a falta de visão comunitária. O homem urbano
moderno é um triste solitário que se esconde da vida com medo de perder seus
parcos vinténs. Ilude-se com o vil metal.
Mas, afinal qual a
maneira certa e satisfatória de enfrentar a vida? Nem eu mesmo sei! Somos tão
condicionados e deformados pela (des)educação da vida moderna que perdemos o
prumo da verdadeira liberdade e da satisfação pessoal.
Somos repetitivos como
o cão de Pavlov. Raciocinamos em bloco, robotizados como androides produzidos
em série e incapazes de nos desviarmos da programação a que fomos submetidos
desde a mais tenra idade.
Talvez nos fosse
necessário um novo grito do Ipiranga, ríspidos, às margens do rio da vida,
olhando nos olhos furiosos do futuro, quebrando os grilhões do presente e do
passado.
Recife, fevereiro 2015
* Poeta, jornalista e radialista, blogs:
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