quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ser civilizado dá trabalho

* Por Mara Narciso


Ainda bem que os princípios civilizatórios existem há milênios, senão seria impossível a convivência social nos campos e cidades. O Código de Hamurabi com seus 282 artigos (1810 aC), o Talmud (século III dC) com as seis ordens judaicas, e os Dez Mandamentos ou decálogo, que segundo a Bíblia foram escritos por Deus e dados a Moisés, contêm leis e preceitos para ordenar e organizar os humanos.

Cada indivíduo tem seu rol de princípios pétreos e que jamais serão desobedecidos. Outros conceitos costumam ser flexibilizados e negociados intimamente, de forma que numa mesma família há quem aceite determinados comportamentos, enquanto outros os vetam. A religião é a principal normatizadora de condutas, mas, o exemplo dos pais é o que determina as maneiras sociais, desde a fala até os negócios. Existem ainda a boa e a má índole, e pessoas que, por mais que lhes seja ensinado, são aéticas e amorais. Há os hipócritas, que pregam algo e agem de maneira oposta, inclusive pessoas religiosas. Mas não se deve tentar igualar os desiguais.

Viver em sociedade obriga cada um a adotar hábitos de higiene e sociais, como civilidade e boas maneiras, sem os quais nada funcionaria. Procura-se estar ao lado de pessoas sensatas, equilibradas, suaves, cuja maneira de agir é naturalmente uma aula de boa convivência, mesmo sem impor nada. Diz-se que a educação paterna de antes era melhor que a de hoje, bem mais liberal, e que essa liberalidade está exagerada, e que se deveria recuar nesse quesito. São épocas e maneiras diferentes de educar. Lê-se, sendo contado como vantagem, que o pai não precisava falar nada e apenas um olhar era suficiente para as ordens serem seguidas. Naquela época raros pais demonstravam carinho pelos filhos. A obediência cega, sem questionamento, estava indicada para esposa e descendência.

Educar pelo amor e compreensão rende melhores resultados. Praticar o bem pelo bem em si, sem pensar em recompensa ou reconhecimento é ser de fato bom, ainda que o prazer de praticar o bem seja também uma forma de vaidade. Que se ensine a bondade às crianças e se formarão cidadãos.           A sociedade é um lugar de aparências. Fala-se tanto em amigo falso. É falso aquele que trai a confiança, ouve fraquezas de alguém e as divulga, promete e não cumpre, engana, pega dinheiro e não paga ou rouba a companheira do amigo.

Socialmente falando há quem seja uma farsa completa e acabada. Será que o que se vê chega perto do real? Quem sou eu? Quem é ele? Qual é a sua real face? A começar pelo odor que exala. Alguém produz perfume de rosas em sua pele? A beleza ostentada é a verdade? Recorrer aos recursos ofertados para melhorar é vergonhoso?

De todas, uma das maiores convenções é o que se chama de moda. Quem não se cuida é tido como desleixado, especialmente quem não cumpre as normas atuais de cores, cheiros e sabores. Quem reclama de certas exigências, e, ainda que contrariado, cumpre o que lhe foi solicitado quanto a comportamentos de ter, estar, ficar, usar, usufruir, está fazendo o jogo do consumo de bens e serviços daqueles que impõem que não se pode engordar nem envelhecer, que o cabelo anelado é feio, que o nariz não pode ser largo, que barriga grande não é bonito, que gorduras nas laterais da cintura precisam ser “lipoaspiradas”, que cabelo branco e rugas são uma afronta. Estar só é vergonhoso. E, querendo ou não, vão quase todos obedecendo a essas ordens, mansamente, vendo-se um ou outro que se rebela, e recebe severa crítica. Isso é ser livre?

Então, acontecem as justificativas exageradas de que se comeu muito no fim-de-ano, que não deu tempo disso ou daquilo, pois se o corpo não está como o exigido, pelo menos o discurso está afinado. Fazem o que não querem para saciar o mercado, ainda que seja para dar satisfação aos parentes e amigos próximos.  No final e afinal a farsa se perpetua. Um grupo de pessoas cumpre o ritual para ser incluído. E quando alguém sai deliberadamente daquilo que é esperado, é apontado com o dedo. E para voltar, pode faltar caminho.

A miscelânea de temas se justifica, seja no aspecto moral, cívico ou físico, o mais exigido, porque quando se cumpre leis, normas e ordens, algumas são boas e outras absurdas, e ainda assim continuam a ser obedecidas.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Balizas: nem sempre bem-vindas, mas sempre necessárias. Mais uma análise lúcida e pertinente, muito a propósito para o caos social, econômico e sobretudo político que estamos vivendo... Abraços e Feliz 2015, Mara.

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    1. O caos generalizado me assombra, Marcelo. Parece que todo o planeta está comprometido. E ainda assim, que consigamos ser felizes. Muito obrigada e desejo o mesmo a você!

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