Ser civilizado dá trabalho
* Por
Mara Narciso
Ainda bem que os
princípios civilizatórios existem há milênios, senão seria impossível a
convivência social nos campos e cidades. O Código de Hamurabi com seus 282
artigos (1810 aC), o Talmud (século III dC) com as seis ordens judaicas, e os
Dez Mandamentos ou decálogo, que segundo a Bíblia foram escritos por Deus e
dados a Moisés, contêm leis e preceitos para ordenar e organizar os humanos.
Cada indivíduo tem seu
rol de princípios pétreos e que jamais serão desobedecidos. Outros conceitos
costumam ser flexibilizados e negociados intimamente, de forma que numa mesma
família há quem aceite determinados comportamentos, enquanto outros os vetam. A
religião é a principal normatizadora de condutas, mas, o exemplo dos pais é o
que determina as maneiras sociais, desde a fala até os negócios. Existem ainda
a boa e a má índole, e pessoas que, por mais que lhes seja ensinado, são
aéticas e amorais. Há os hipócritas, que pregam algo e agem de maneira oposta,
inclusive pessoas religiosas. Mas não se deve tentar igualar os desiguais.
Viver em sociedade
obriga cada um a adotar hábitos de higiene e sociais, como civilidade e boas
maneiras, sem os quais nada funcionaria. Procura-se estar ao lado de pessoas
sensatas, equilibradas, suaves, cuja maneira de agir é naturalmente uma aula de
boa convivência, mesmo sem impor nada. Diz-se que a educação paterna de antes
era melhor que a de hoje, bem mais liberal, e que essa liberalidade está exagerada,
e que se deveria recuar nesse quesito. São épocas e maneiras diferentes de
educar. Lê-se, sendo contado como vantagem, que o pai não precisava falar nada
e apenas um olhar era suficiente para as ordens serem seguidas. Naquela época
raros pais demonstravam carinho pelos filhos. A obediência cega, sem
questionamento, estava indicada para esposa e descendência.
Educar pelo amor e
compreensão rende melhores resultados. Praticar o bem pelo bem em si, sem
pensar em recompensa ou reconhecimento é ser de fato bom, ainda que o prazer de
praticar o bem seja também uma forma de vaidade. Que se ensine a bondade às
crianças e se formarão cidadãos.
A sociedade é um lugar de aparências. Fala-se tanto em amigo falso. É
falso aquele que trai a confiança, ouve fraquezas de alguém e as divulga,
promete e não cumpre, engana, pega dinheiro e não paga ou rouba a companheira
do amigo.
Socialmente falando há
quem seja uma farsa completa e acabada. Será que o que se vê chega perto do
real? Quem sou eu? Quem é ele? Qual é a sua real face? A começar pelo odor que
exala. Alguém produz perfume de rosas em sua pele? A beleza ostentada é a
verdade? Recorrer aos recursos ofertados para melhorar é vergonhoso?
De todas, uma das
maiores convenções é o que se chama de moda. Quem não se cuida é tido como
desleixado, especialmente quem não cumpre as normas atuais de cores, cheiros e
sabores. Quem reclama de certas exigências, e, ainda que contrariado, cumpre o
que lhe foi solicitado quanto a comportamentos de ter, estar, ficar, usar,
usufruir, está fazendo o jogo do consumo de bens e serviços daqueles que impõem
que não se pode engordar nem envelhecer, que o cabelo anelado é feio, que o
nariz não pode ser largo, que barriga grande não é bonito, que gorduras nas
laterais da cintura precisam ser “lipoaspiradas”, que cabelo branco e rugas são
uma afronta. Estar só é vergonhoso. E, querendo ou não, vão quase todos
obedecendo a essas ordens, mansamente, vendo-se um ou outro que se rebela, e
recebe severa crítica. Isso é ser livre?
Então, acontecem as
justificativas exageradas de que se comeu muito no fim-de-ano, que não deu
tempo disso ou daquilo, pois se o corpo não está como o exigido, pelo menos o
discurso está afinado. Fazem o que não querem para saciar o mercado, ainda que
seja para dar satisfação aos parentes e amigos próximos. No final e afinal a farsa se perpetua. Um
grupo de pessoas cumpre o ritual para ser incluído. E quando alguém sai
deliberadamente daquilo que é esperado, é apontado com o dedo. E para voltar,
pode faltar caminho.
A miscelânea de temas
se justifica, seja no aspecto moral, cívico ou físico, o mais exigido, porque
quando se cumpre leis, normas e ordens, algumas são boas e outras absurdas, e
ainda assim continuam a ser obedecidas.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Balizas: nem sempre bem-vindas, mas sempre necessárias. Mais uma análise lúcida e pertinente, muito a propósito para o caos social, econômico e sobretudo político que estamos vivendo... Abraços e Feliz 2015, Mara.
ResponderExcluirO caos generalizado me assombra, Marcelo. Parece que todo o planeta está comprometido. E ainda assim, que consigamos ser felizes. Muito obrigada e desejo o mesmo a você!
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