Quero o meu primeiro!
* Por
Mara Narciso
A civilização moderna e
apressada ensina a correr e a passar na frente, quando não por cima dos outros
no ciclo da competitividade desenfreada. As filas, método que iguala os
desiguais, é um exemplo de como não queremos ser passados para trás. A intenção
é pegar a menor fila, aquela em que se vai chegar mais rápido ao objetivo. Ao
entrar num auditório não numerado, há de costume uma corridinha em direção aos
melhores lugares, de melhor visibilidade, melhor som, e geralmente mais perto
do palco, caso houver. Os mais ágeis e fortes, pegam as poltronas boas.
“O amor excessivo ao
bem-estar próprio, sem consideração com os interesses alheios” é o que se
caracteriza como egoísmo, diz o Aurélio. Assim, o mais comum é a pessoa tentar
pegar a vaga antes do outro, em situação espacial pior, mas que viu o lugar
primeiro. Ou o pior, usar as vagas especiais, sem delas ter direito. E se
orgulhar disso, se metendo em discussões quando alguém questiona. Qualquer
vacilada numa fila, e já se é passado para trás. Embora não gostemos, estamos
habituados a ver jovens sentados e pessoas portadoras de necessidades
especiais, grávidas, idosos ou mães com crianças no colo em pé, num ônibus ou
metrô. E caso alguém decida reclamar ouvirá insultos e até mesmo sofrerá agressões
físicas, vistas em profusão na internet.
Da escola, um filho
chegou orgulhoso mostrando ao pai o resultado final do ano letivo, onde se lia:
segundo lugar. O pai nem levantou os olhos, dizendo apenas num muxoxo: nessa
escola não tem primeiro lugar? E na busca de estar na frente, ser sempre o
melhor, quando sobrará tempo de aprender a respeitar, a dar a vez, a ajudar o
próximo? Esse pai, pelo menos desta vez não ensinou isso ao filho.
Há quem atropele
alguém, figurativamente, e nem veja, ou ainda fale muito no egoísmo alheio, sem
se perguntar se aquilo que faz ou fala não são demonstrações da mesma
característica que no outro é vista como defeito. O dia-a-dia é pródigo em
exemplos da busca do se dar bem, antes dos demais. Situações de desconforto,
atropelo, pressa, gente demais, chuva, sol forte, ou uma chegada competitiva e
tumultuada são aulas de que os mais fortes vão se acomodar melhor.
Estou seco, sentado, na
sombra, alimentado, o que me importa se há uma multidão para se sentar? Já
tomei o meu banho, que os outros esperem a sua vez. Já me alimentei, agora que
se danem. Não tem para todo mundo, mas eu já me fartei, então que eles também
fossem precavidos como eu fui e chegassem a tempo. Este é o último doce do
prato, mas a minha mão é mais esperta? Que seja meu, então. A criança está
chorando, que a mãe a console. Não tem lugar para mais ninguém. Lotou, pois
então que fique para trás. “Quem vai ao ar, perde o lugar”. Quanto egoísmo!
Viagens em grupo,
especialmente naquele estilo estudante, romaria, ou alguma outra alternativa
popular, o item conforto é escasso, a situação costuma ser precária e se não
houver bom planejamento, vai faltar coisa e sobrar gente. Quando se é jovem, os
problemas da jornada podem até virar farra, mas os adultos têm pouca paciência
com essas falhas. Diante de um imprevisto, o amadurecimento do grupo deverá
prevalecer, mas não falta quem ache que o último cobertor tenha de ser para
ele, caso surja uma imprevista onda de frio. Ou ainda se houver falta d’água
para beber ou para banho, e desconforto grande à vista, os mais frágeis
deveriam ser atendidos primeiro, mas não é o que acontece. Os mais fortes
passam na frente, derrubando os demais.
Nas guerras e
catástrofes: mulheres e crianças vão primeiro, assim como num navio que aderna.
Porém, nessas situações extremas, o verniz da civilidade some, e o instinto
animal prevalece. Ainda assim, gente equilibrada e altruísta existe, o que nos
dá esperança de que a raça humana ainda é humana.
Egoísmo no amor é o que
não falta, pois há o amor doentio, ciumento, egoísta e castrador, como também
há o desamor intensivo, com encontros burocráticos e sexo para cumprir tabela.
Mas aí não é amor, sendo melhor nomear-lhe de outro modo.
Os dois extremos têm
exemplos. Se de um lado há quem derrube uma criança para se salvar, há quem, em
situações limite, arrisque a própria vida para dar a vez a gente e animais.
Somos seres frágeis, de destino incerto, todos numa casca de noz em alto mar,
num mesmo planeta, com seus recursos menores que as nossas necessidades.
Deveríamos pensar no coletivo, mas, a maioria não quer dar nada, pois tem medo
de que venha a lhe fazer falta. Assim, o país rico fica mais rico, e o
miserável, mais miserável.
Fim de ano, época de
ser solidário, ser mais feliz, dar mais sorrisos, fazer elogios verdadeiros,
cumprir a palavra, não desrespeitar os outros, não atropelar, não vencer com
deslealdade. Que os amigos ajam assim, e que os inimigos não usem de golpes
baixos.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Meu comentário primeiro, meu comentário primeiro: parabéns, Mara!
ResponderExcluirQuero o maior, o melhor e antes de todos os outros. Obrigada, Marcelo!
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