Para um retrato de Dilma, a presidenta do Brasil
* Por
Urariano Mota.
Há uma foto de Dilma em
que a imagem é bela porque é verdadeira. Para falar dessa foto seriam
necessários muitos artigos definidos em textos, poemas e palavras de ardor e
reflexão. Na imagem de óculos pesados, em preto e branco, Dilma se une a outras
mulheres que vimos nos malditos tempos de 1970. Mas eram mulheres de tal
altura, que ficamos à beira de cair em novo paradoxo: o de querer que voltem
suas pessoas daqueles anos, mas sem a infâmia das circunstâncias e pesadelo
daquele tempo.
Em lugar da pura
orquídea pura pétala, de cor fresca e fugaz, a Dilma na sua foto real remete
mais à pessoa mesma, de carne e luta, determinada em alcançar um mundo além do
interesse de mocinhas bonitas de sua classe, aquele que se podia resumir em
três cês, como o velho CCC: Carro, Casa e Carreira. Em preto e branco, como um
filme de roteiro de Semprum, vemos uma Dilma que vislumbramos em 1970,
multiplicada em outras à sua semelhança, que cresciam como guerreiras, e por
isso se tornavam mais fêmeas. Como uma, a quem disfarcei com o nome de Cíntia
no romance Os corações futuristas. No Recife, em plena censura e terror ela
gritava aos companheiros que a cercavam:
“Eu sou subversiva!
Falem, podem dizer, não me importo: eu sou subversiva! Eu quero é virar esse
sistema de cabeça para baixo”.
E lembro que ouvíamos
isso, e tal ordem mais alta calava fundo no peito de todos, pois também não
encontrávamos lugar naquela ordem/desordem da ditadura. Aquele “Eu sou subversiva”
se transformava em um sentimento, que nos dizíamos em voz silenciosa e
perfurante: “ela tem a coragem de avançar contra a injustiça que nos sufoca.
Que mulher!”
Assim como ela, assim
como o seu gênero, pessoa e qualidade, foi Soledad Barrett, que escreveu para a
mãe um último poema, como uma predestinação:
“Mãe,
não sofras se não volto
Me
encontrarás em cada moça do povo
deste
povo, daquele, daquele outro
do
mais próximo, do mais longínquo
Talvez
cruze os mares, as montanhas
os
cárceres, os céus
mas,
mãe, eu te asseguro
que,
sim, me encontrarás!”
Naquele momento em que
víamos mulheres à imagem e semelhança de Dilma, nós não podíamos prever, sequer
sonhar com o Brasil em que uma delas subiria para a presidência. E menos ainda,
delírio do sonho dos sonhos, que ela fosse reeleita. Pois como podíamos prever
o pássaro que canta agora, neste 2014 no jardim, em 1970? Sentíamos apenas os
abalos que nos davam pessoas desse fogo, e não sabíamos interpretá-las, porque
em nós se misturavam admiração, amor e força além dos limites da própria
covardia.
Essa Dilma em preto e
branco, de óculos pesados, em resumo, é a pessoa/mulher com quem todos
crescemos. Ela é uma sobrevivente, como todos nós, como, enfim, todo o povo
brasileiro. Como não salvá-la de todos os assaltos das múmias da ditadura? Como
não guardá-la, como um bem precioso, contra os velhos de todos os preconceitos
de classe? Fazemos isso não por dever, mas por uma defesa da cidadania de nosso
sonho. Estamos vivos, bulindo e loucos de emoção. Quem diria? Há um gozo imenso
em sobreviver tendo posto em risco a sobrevivência. E sobreviver na sua
reeleição ah, isso vai além dos números das urnas. Como não saudá-la?
Lembro que ao ver Dilma
discursar em Brasília Teimosa, no primeiro turno, no Recife, eu a vi como a
superação daquele terrível ano de 1973, quando ali eu morava, e 6 militantes
contra a ditadura foram assassinados, e uma delas foi Soledad Barrett. E sobre
Soledad Barrett escrevi o livro Soledad no Recife.
Dilma é a mulher mais
bonita da República. Quando digo que Dilma é a mulher mais bonita da República,
quero dizer: vem dela uma história política, uma memória, um bem-querer que é
consequência dos valores mais altos pelos quais valem a pena estar vivo. Então
eu falo que Dilma é a mulher mais bonita da República, pois a memória recupera
o Brasil daquele tempo como uma superação. Dilma confirma a sua beleza quando
afirma com voz embargada no palanque:
“Não desisti do Brasil
nem quando fui presa e torturada, porque este País é muito maior que um bando
de ditadores. Não mudamos de lado, nem de compromisso.”
No segundo turno, em
pleno centro do Recife,na terça-feira 21 de outubro, as pessoas gritavam,
cantavam “Dilma, eu te amo”. Não digo que tiravam a roupa, mas fizeram coisas
mais impulsivas, desbragadas e delirantes.
Na Avenida Conde da Boa
Vista, contente com o engarrafamento de carros que se formava em razão da
caminhada com Dilma, o motorista de um ônibus largou o volante e subiu para o
teto. Para quê? De lá de cima, com uma bandeira vermelha, ele dançou ao som de
“Dilma, coração valente”.
A massa delirou.
Achando pouco, o louco e sincero motorista fazia passos e voltas sobre o teto
do ônibus, agarrado à bandeira, como se ela fosse a própria presidenta. Um
crítico de música ao meu lado observou que ele estava em seu momento Michael
Jackson. Mas para a massa da multidão, o motorista era, depois de Lula e Dilma,
o cara. E nós sorríamos, e acenávamos, e ele posava e pousava para as fotos dos
celulares.
A multidão mostrava que
Dilma é amada pelo povo do Recife. O povo lhe dedica uma afeição que já deixou
de ser política, virou um caso pessoal. Ela virou o nosso caso na República. O
povo, no centro do Recife, em pleno comício se comportava como se falasse para ela:
“Dá licença, presidenta, o povo pede a sua mão”. E ela respondeu e
correspondeu:
– Eu amo vocês, esta é
a primeira coisa que eu queria falar. A segunda coisa é que eu nunca vi na
minha vida um ato tão bonito, tão alegre, tão carinhoso como este.
Dilma poderia falar o
que quisesse. Poderia cantar “o cravo brigou com a rosa”, e todos aplaudiriam.
Poderia ficar diante do microfone repetindo “sapo-sapo-sapo-sapo”, e o povo
iria ao delírio. Diriam, “como ela fala bem sapo-sapo-sapo!”. Sabem aquele
afeição conquistada, que vê em tudo quanto vem da pessoa amada a coisa mais
linda?
Lembro que na semana
passada uma senhora do povo me falou com a voz rouca, atravessada: “quando
Dilma passou mal, depois daquele debate na televisão, eu fiquei… olhe, eu
fiquei…” e não conseguia completar a frase, porque a lembrança lhe voltava em
forte emoção.
E porque eu a
compreendia eu pensava em lhe falar na língua de imbu, mangaba, graviola, cajá,
azeitona, pitomba, abacaxi, goiaba, maracujá, manga, cana doce, numa fala de salada
do Nordeste. Mistura de tudo, porque o povo mais misturado que já vi numa
eleição estava presente.
No final, depois do
comício, corremos feito loucos para flagrar a passagem da presidenta, que
sairia por trás do palanque. Eu não era mais um cidadão de cabelos brancos,
barrigudo, de fôlego curto, a léguas de distância de atleta de qualquer
condição.
Eu era, todos éramos,
voltávamos a ser mais uma vez meninos. Éramos a infância do que manda o
coração. A presidenta entendeu a nossa meninice. Na passagem, ela nos enviou 2
beijos. Naqueles 2 beijos fugazes estava escrito: “Como prova de carinho, amor
e amizade”. Assim era a frase no verso das fotos 3 x 4, com que os namorados
prometiam uma afeição duradoura no Recife.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Ficou lindo! Coisas de admiração.
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