Papai Noel made in USA
* Por
Pedro J. Bondaczuk
O Natal, há muito, perdeu seu
significado religioso, o do nascimento de Jesus Cristo em uma estrebaria da
cidadezinha de Belém, na Judéia, para se transformar em uma festa profana,
celebrada, até, em países em que o cristianismo é raridade ou sequer existe e
que se padroniza, mais e mais, nestes tempos de feroz globalização.
Não se trata de fazer juízo de valor,
de se afirmar se isso é certo ou errado, mas somente de fazer uma constatação,
que aliás é óbvia. Esse tipo de registro, diga-se de passagem, é até obrigação
dos escritores que se prezem já que, estejam conscientes ou não, se constituem
em cronistas do seu tempo, testemunhando para futuras gerações quais eram as
idéias vigentes, comportamentos e costumes na época em que viveram. No meu
caso, posso falar (ou melhor, escrever) com propriedade de meados do século XX para
cá.
A figura de Jesus Menino vem sendo
crescentemente substituída, nos corações e mentes – sobretudo das crianças –
por um ícone da propaganda, espécie de símbolo da Coca-Cola, que se popularizou
mundo afora. Hoje esse personagem é visto em jornais, revistas, peças
publicitárias de televisão, nos shoppings e outros tantos pontos de comércio
das grandes metrópoles, das cidades de porte médio e não raro até em pacatos
vilarejos internacionais de forma contundente e massiva. Refiro-me a essa
imagem que domina a imaginação da meninada: Papai Noel.
Pois é, para quem não sabe, esse afável
velhinho, de barbas e cabelos compridos e brancos como a neve, que se desloca
num trenó puxado por renas (e, em algumas peças publicitárias, este veículo já
foi modernizado e é movido por potentíssimo motor) é mais um produto “made in
USA”, como tantos e tantos e tantos outros que circulam Planeta afora. É certo?
É errado? Não sei! Cada qual que faça seu próprio juízo de valor.
Vamos, porém, aos fatos. Dizem, os
desinformados e afoitos, que esse generoso ancião, onipresente às vésperas do
Natal, representa São Nicolau, bispo católico de Mira (a atual cidade turca de
Dombre), nascido em 6 de dezembro de 270 da Era Cristã. Pode até ser que a
intenção inicial fosse essa. Todavia... a verdadeira história de Papai Noel é
bem menos lendária e muito mais, digamos, trivial.
Nos Estados Unidos, a lenda de São Nicolau
sofreu adaptações locais (e profundas, por sinal) que hoje prevalecem em boa
parte do mundo. Thomas Nast, ilustrador norte-americano, criou uma versão em
que esse personagem lendário apresentava características peculiares, diferentes
das vigentes então na Europa, notadamente nos Países Baixos. Era um homem gordo
(ao contrário do bispo de Mira), de bochechas rechonchudas e que tinha uma
oficina de fabricar brinquedos, cujos operários eram duendes, situada no Pólo
Norte.
E os americanos criaram uma nova história,
consagrada depois que a Coca-Cola a utilizou como peça publicitária. São
Nicolau, agora transformado em
Papai Noel , deslocava-se, mundo afora, como já revelei, por
meio de um trenó voador, puxado por sete renas mágicas. Um locutor de rádio
finlandês, Markus Rautio, acrescentou novo ingrediente à versão moderna, que
prevalece até hoje. Revelou, em 1927, que Papai Noel, na verdade, não vivia no
Pólo Norte, como se dizia na propaganda da Coca-Cola, mas na Lapônia, uma das
regiões mais remotas e mais gélidas da Finlândia. É esta, pois, a figura que
substitui, cada vez mais, a de Jesus Menino como símbolo contemporâneo do
Natal..
Reza a tradição que o pai de Nicolau
era riquíssimo. E que, ao morrer, deixou toda a sua imensa fortuna ao filho.
Este, porém, não atribuía nenhuma importância à riqueza. Achava que ela era
apenas meio para poder praticar o bem. Num determinado dia, soube que um
vizinho, muito pobre, pai de três filhas, estava com dificuldade para casar,
condignamente, pelo menos a mais velha, já que naquele tempo as moças que não
tinham dotes ou permaneciam solteiras, ou faziam casamentos dos quais, na
maioria das vezes, se arrependiam.
Nicolau decidiu fazer alguma coisa para
amenizar a aflição daquele humilde homem. Durante a noite, encheu uma bolsa com
valiosíssimas moedas de ouro e, às escondidas, jogou-a pela chaminé da casa do
vizinho. Este, agradecido, atribuiu a dádiva a um milagre. Com a pequena
fortuna que lhe caiu tão subitamente nas mãos, pôde casar a filha com um
próspero comerciante e proporcionar uma enorme festa de bodas.
Mas a história não termina aí. Nem
todos os problemas daquele pai estavam resolvidos. E o homem sequer ousava
cogitar de solução semelhante. Entendia que não era merecedor de dois milagres
iguais. Precisava casar a segunda filha, mas não tinha recursos para o dote e
nem para a festa.
Nicolau, de novo, repetiu o que havia
feito anteriormente. Ou seja, encheu outra bolsa e lançou-a pela chaminé do
vizinho, que começou a desconfiar do milagre. Em todo o caso, casou, também,
muito bem, a segunda filha, com um armador de navios. E a festa foi ainda maior
do que no casamento da primeira.
Mas tem mais. O fato repetiu-se, da
mesmíssima forma, uma terceira vez. Desta vez, porém, o pai, na espreita,
descobriu quem era o seu generoso benfeitor, confirmando, aliás, suas
desconfianças. Após o casamento da terceira filha, esta com um não menos
próspero mercador de camelos, durante a festa, o homem, agradecido, espalhou a
notícia aos pobres e às crianças sobre este terceiro e bem-vindo presente.
Foi daí que nasceu o costume na Europa
dos pais presentearem os filhos no Dia de São Nicolau. As crianças
interpretavam que os presentes vinham do céu, mandados diretamente pelo santo.
Com o tempo cresceu a fama desse fazedor de milagres. Dezenas, centenas,
milhares de fatos, tidos como miraculosos, foram-lhe atribuídos. Essas
histórias, logo, se tornaram o tema predileto dos artistas medievais.
E hoje? É verdade que São Nicolau segue
sendo cultuado (e imitado) Europa afora. Mas... até quando? Pouco a pouco, a
globalização vai surtindo efeito nas novas gerações. O Natal, mais e mais,
perde suas características religiosas e se consolida como festa profana, a
exemplo do Carnaval e de tantas outras manifestações populares. Reitero, não
faço juízo de valor, somente constato um fato. É certo? É errado? Cabe a você,
paciente leitor, julgar.
A realidade é que, não somente o Menino
Jesus, como o generoso bispo de Mira, cedem espaço, paulatinamente, ao ex-ícone
da Coca-Cola, ao rechonchudo e estilizado “bom velhinho” made in USA, até que
um dia venham a se apagar de vez dos corações e mentes das futuras gerações.
Será?! Tudo indica que sim. Enfim...
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Tudo junto e misturado. Não acho bom nem ruim, apenas uma imagem a servido do consumo, se é que se queira consumir. Para mim, tanto faz se é ou não é Natal. Não mudo absolutamente nada nesse dia. Com ou sem Papai Noel ou São Nicolau.
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