sábado, 6 de dezembro de 2014

Ode ao país mais “reformável” do mundo


* Por Fernando Yanmar Narciso

60 anos de existência, protagonista de mais de 30 filmes, uma pegada na calçada da fama em Hollywood, e mesmo quem nunca tenha visto um de seus filmes o conhece. Definitivamente, não é um feito para qualquer um! E o mais impressionante é que tal personagem icônico, que deu o ponto de partida a um novo gênero cinematográfico é, na realidade, fruto de um plágio!

O ano era 1953 e o mundo ainda sofria com o pós-guerra e o terror causado pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki. Se aquelas duas bombas conseguiram exterminar duas cidades inteiras, onde até hoje nascem pessoas sequeladas por seus efeitos, imaginem o que poderia ser feito em escala global?

Foi no contexto da paranóia da Guerra Fria que começaram a surgir os filmes trash de animais monstruosos e assassinos criados pela radiação nuclear, entre eles The Beast From 20.000 Fathoms. Nele, um monstro gigante pré-histórico era despertado por um teste nuclear no Ártico e vinha arrebentar tudo em Manhattan, porque, bem, é isso que monstros gigantes gostam de fazer, não?

Criado pelo mestre dos efeitos de stop-motion Ray Harryhausen, o monstro chamado Rhedassauro foi um fenômeno mundial, o que chamou a atenção do estúdio japonês Toho. Na verdade, os executivos do estúdio se impressionaram tanto com filme que voltaram para casa dispostos a fazer sua própria versão.

Mas os espetáculos de Harryhausen, criados com animações de bonecos de massinha, eram um tanto caros para a modesta empresa, e assim os diretores Ichiro Honda e Eiji Tsuburaya, gênio nipônico dos efeitos especiais, simplesmente resolveram vestir atores em roupas de monstros, criando assim o fenômeno Godzilla!

Podemos definir o “calangão” como uma mistura de tiranossauro com um estegossauro e curiosas feições felinas. Simplesmente indestrutível, vomita rajadas radioativas e tem uma disposição enorme para pisotear maquetes. Curiosamente, o nome original, Gojira,é uma combinação das palavras gorila e kujira (baleia)!

Em sua estréia nas telonas em 1954, com o roteiro praticamente idêntico à contraparte ianque, o monstrengo era a personificação do terror atômico, disposto a passar por cima de Tóquio como um rolo compressor jurássico de 100 metros de altura, não deixando nada além de mortes, sofrimento e escombros por onde passa.

Até hoje o primeiro filme de Godzilla é considerado o melhor. Isso porque suas inúmeras sequências foram ficando cada vez mais bobinhas e menos assustadoras. O primeiro filme colorido de Godzilla veio em 1962, onde ele enfrentava ninguém mais, ninguém menos, que seu colega ancestral de destruição King Kong, aqui interpretado por um ator na pior fantasia de gorila da história do cinema!

Assim como os humanos, Godzilla foi capaz de demonstrar várias facetas. Começando como a vingança da mãe-natureza, já foi anti-herói, queridinho da meninada, herói pré-histórico politicamente correto, símbolo da contracultura japonesa, defensor da ecologia e tornou-se novamente um anti-herói quando a primeira geração de seus filmes se encerrou em 1975. Em 1984, para celebrar os 30 anos do personagem, foi feito um remake colorido do primeiro filme, que lhe devolveu suas características iniciais.

Com orçamentos maiores e menos criancice, ele estrelou novos filmes por mais uma década, tendo sua “morte” declarada pela Toho em 1995. No entanto, nenhuma morte do mundo poderia ser um destino mais cruel que o que Hollywood havia lhe reservado... O imitador barato de Steven Spielberg, Roland Emmerich, dirigiu em 1998 uma verdadeira abominação em computação gráfica, que não lembrava em absolutamente nada o espírito da franquia.

O resultado foi tão vergonhoso que a Toho não teve escolha: Precisou abrir o caixão de sua criação e trazê-lo de volta à vida, e em mais seis anos de filmografia produziu mega-produções com o calangão de fazer inveja a qualquer George Lucas, como se dissessem a cada cena “Viram só, Hollywood? Quem quer fazer um filme de Godzilla tem que fazer ASSIM!”.

Esse ciclo de renascimento da besta-fera se encerrou em 2004. E agora, dez anos mais tarde e quinze após a primeira tentativa frustrada... Aparentemente Hollywood meio que aprendeu sua lição. Esse ano, o diretor Gareth Edwards, com total apoio da Toho, lançou seu filme de reconciliação com o psicopata jurássico e, finalmente, lhe fez alguma justiça.

Claro que os bons e velhos atores vestidos de monstro foram aposentados e as aberrações da natureza e seu rastro de destruição são todos feitos em computação gráfica agora, mas o diretor cometeu uma grave falha: Fez um filme cheio de sutilezas e drama humano. Não sabia que é simplesmente IMPOSSÍVEL fazer um filme sutil com um bicho que poderia passear dentro do Grand Canyon e ainda ficar com metade do corpo pra fora do buraco?

A grande estrela do filme só aparece por meros OITO MINUTOS, e lutando em câmera super lenta! E eu até que conviveria numa boa com o drama humano, se os atores não fossem tão ruins. De qualquer forma, a superprodução fez um sucesso considerável mundo afora, e a Warner Bros. Já estuda uma sequência para os próximos anos. Tomara que o jacaré marombeiro apareça mais na próxima vez... Haja isopor e papelão para esmagar!

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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