sábado, 6 de dezembro de 2014

O mar é sempre maior

* Por Nei Duclós


Na infância, no inverno ou no verão, o mar está sempre presente, como fonte de poesia e um sinal de que não é possível, numa civilização atlântica, afastar-se dele. Ao seu redor componho a canção de uma vida e suas metáforas: movimento, contemplação ou divindade. Tudo é tão próximo que passamos da solenidade para o castelo de areia, do susto para a graça, e da memória para o plano de vôo.


BRAÇO DE MAR

O mar é sempre maior
e o luar lhe faz a corte
Não há medida do homem
entre a praia e o horizonte

O mar já veio antes
da onda inventar o tempo

É ele quem trai o porto
e acende o pavio da bomba
que puxa a noite do poço
e corta os pulsos da sombra

E mesmo no sol, o mar transa
seu jogo de conveniências
suas algas postas de molho
sua escultura sem cabeça

O mar é sempre o começo


MAR DOS NOVE ANOS

O mar na minha infância
como um trem no sonho de um louco
um disco voador na porta dos fundos
como o fim do mundo
com ondas voltando de viagem

O mar como um desastre
como um avião que cai no mar

O mar como nunca
verde-claro com rendas de espuma
a dois passos de mim
como um trunfo, um presente
a ser guardado para sempre
um bloco de anotações
um lenço dobrado

Como pássaro de sal com plumas de água
o mar levantou vôo na memória
como as pandorgas
que se enforcam nos fios

Aquele mar se afogou no tempo
escapou das mãos como um peixe pequeno


É BOM O MAR

É bom o mar
não ter dono
Não ser potro
nem mordomo
Poder engolir
Netuno
Espumar sal
das esferas

Ninguém pasta
no seu dorso
Nenhum nó
ata sua vela
Gávea que traz
no bojo
Bóia que a flor
navega

Como repasto
de pedra
Como fermento
de estrela
São peixes
fora do espelho
São aves
em assembléia

O bom do mar
é que dançam
numa volúpia
serena
os versos feitos
por anjos
que estudam
com muito esmero

o mar, esse Deus
travesso
que se bobear
pega praia

* Autor dos livros de poesia “Outubro” (1975), “No meio da rua” (1979) e “No mar, Veremos” (2001) (entre outros); e do romance: “Universo Baldio” (2004). Jornalista desde 1970 e bacharel em História. Trabalhae em Florianópolis, onde é editor-executivo de duas revistas.




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