O maior livreiro do Brasil
* Por
Clóvis Campêlo
Quem com ele troca
idéias e palavras, fica com a certeza de que se trata de uma pessoa racional e
atenta aos conceitos do mundo moderno. Para consolidar essa impressão,
define-se como "um homem de esquerda", que cita Marx e Lennin nas
suas falações.
No seu box, na Praça do
Sebo, porém, mantém um eclético santuário onde convivem, em perfeita harmonia,
as imagens de Padre Cícero, N. Sª. Aparecida, Exu Tranca-Rua, Pomba-Gira e do
Caboclo Pena Branca, entre outros. Um pouco de fé mística, afinal, não faz mal
a ninguém.
Grande conhecer da
música brasileira das décadas de 40 e 50, também navega com certa desenvoltura
pelas águas da Bossa Nova e do Tropicalismo. Em relação à música pernambucana,
prefere Nélson Ferreira à Capiba e faz críticas moderadas ao Movimento Mangue,
sem nenhum xenofobismo, "pelo excesso de anglicismos".
Crítico pertinaz da
falta de sensibilidade dos órgãos oficiais de cultura, está sempre cercado de
bonitas secretárias e ultimamente adotou a fotografia como passatempo.
Foi com essa figura
ímpar, chamada Melquisedec Pastor do Nascimento, o maior livreiro do Brasil,
que iniciamos uma série de depoimentos para o fanzine Pipoca Moderna.
A ORIGEM
"Sou recifense,
nascido dentro dos mangues do bairro dos Afogados, no dia 3 de janeiro de 1921.
Minha instrução começou numa Escola Particular Mixta, onde me desasnei
aprendendo a ler na Carta de ABC de Landelino Rocha. Eis aí todo o meu
currículo escolar. Extremamente pobre, minha mãe, que me criou sozinha, dizia:
"Entre estudar e trabalhar, não podendo fazer os dois, trabalhe-se!".
Passei a trabalhar e a estudar na escola da vida".
A PROFISSÃO
"Habituei-me a ler
lendo folhetos de feira, almanaques de farmácia e jornais, estes motivado pelo
retrato da vítima. Depois revistas, depois livros. A curiosidade por esses,
levou-me ao sebo do negro Manoel Belarmino da Silva, o qual me iniciou na
profissão, levando-me a vir a ser o maior livreiro do Brasil. O meu
reconhecimento da importância do comércio de livros usados e a minha dedicação
a ele, deram-me esse laurel. Considero minha profissão a mais digna de todas as
profissões".
OS PROBLEMAS
"Os poderes
públicos têm coisas mais nobres com que se preocuparem... Os sebistas do Recife
transbordaram da Praça do Sebo e espalharam-se pelo centro da cidade, vivendo
como Deus é servido... Como sebistas, alfarrabistas, antiquários ou
libervelheiros o que é positivo é dignamente semear livros. Efetivamente,
apenas o Dr. Gustavo Krause foi sensível ao comércio de livros usados aqui no
Recife, agrupando os sebistas no Mercado de Livros Usados. Os poderes públicos
não são sensíveis à problemática da educação, sequer..."
IDEOLOGIA
“Sensível à questão
social desumana, tornei-me um homem de esquerda, a única pauta para julgar a
conduta humana, verificar se contribui ou se opõe à causa do socialismo".
A SITUAÇÃO DO PAÍS
"A situação
política e cultural do país despenca e não vejo nada que esteja se fazendo para
ampará-la. A solução seria criar escolas primárias para oferecer instruções
sobre patriotismo. E que os dirigentes criassem vergonha na cara."
A PRAÇA DO SEBO
"A Praça do Sebo
ou corretamente o Mercado de Livros Usados do Recife, foi o movimento mais
promissor para a cultura que se fez nesta cidade. Reuniu-se em local digno
sebistas precariamente instalados aqui e ali. Eram pequenos comerciantes que,
mais ou menos, contribuíam para a continuação desse comércio, então um tanto
estagnado. Contamos com a iniciativa e o apoio de Liêdo Maranhão, Francisco
Balthar Peixoto, Paulo Roberto de Barros e Silva e Edson Wanderley, entre
outros, simpáticos a esse comércio cultural. O então prefeito Gustavo Krause
determinou a construção. Foi feito um convênio entre os sebistas e a
Prefeitura. Infelizmente as administrações Jarbas Vasconcelos encarregaram-se
de não cumpri-lo. Hoje, a situação da Praça do Sebo é deprimente para a
educação e a cultura recifenses. A solução seria a Prefeitura cumprir as
exigências que lhe impõe o convênio estabelecido por ela mesmo para o
funcionamento do Mercado de Livros Usados do Recife".
MENSAGEM FINAL
"Para finalizar,
uma mensagem aos leitores pipoqueiros: é preciso ler, é preciso ir aos sebos,
santuários de raridades bibliográficas a preço de sebo. Além do mais, é preciso
entender que o conceito ideal de cultura é personalizar o indivíduo,
desenvolver o raciocínio e a imaginação. Integrá-lo na educação e na cultura,
refinar-lhe o espírito. Prepará-lo para a vida".
Recife, 1997
*
Poeta, jornalista e radialista, blogs:
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