Crônica de Natal
* Por
Robledo Morais
É tempo de alegria.
Por todo lado se respira festa. Sucedem-se comemorações, jantares e encontros
festivos de quem se reuniu o ano inteiro só para trabalhar. E nesses momentos
de euforia vicejam mensagens de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo", com
promessas e juramentos de cada um suportar mais os defeitos do outro; de não se
fazerem comentários maldosos a respeito do relacionamento do diretor da empresa
com a secretária; de compreender a dor nas costas da diligente faxineira que a
impede de deixar as mesas dos funcionários tão limpas e brilhantes como roupas
lavadas com "Omo Total"; de não se fazer fofocas sobre a Carminha
porque seu namorado a abandona e volta tantas vezes quanto queira! Carminha é a
querida de todos, e de tão romântica não resiste às canções do Julio Iglesias,
ouvindo-as o dia inteiro com os olhos lacrimejantes! Enfim, são promessas,
trocas de abraços e apertos de mãos, desejando-se um restinho de terceiro
milênio mais tranquilo e menos globalizado. E até as ruas da cidade participam
do canto geral de alegria, deixando-se encher de gente. Gente que compra, gente
que namora, gente que ri, gente que chora e gente que se comove com as músicas
natalinas, na expectativa de melhores tempos! Eu me intrometo entre essa gente
falante e com minha mulher passeio pelas ruas, observando os passantes e a
decoração discreta do comércio. Um lojista me diz que apesar das poucas vendas
o contato com o povo é mais caloroso e compensa o sacrifício das horas em pé,
sem poder curtir a novela das nove ou o jogo de futebol da tevê. Minha mulher
encontra uma amiga e inicia um animado bate papo.
Eu fico sozinho na
caminhada de natal. As pessoas que vejo são parte do meu dia a dia e as
conversas são ligeiras, ditadas pela urgência das compras de última hora. Paro
no fim da rua do comércio. Prende-me a atenção um menino sentado na calçada.
Desses meninos que vestem roupas velhas e surradas; desses meninos que sabem
que é natal, mas que não vão ganhar a bicicleta sonhada; desses meninos que já
ouviram falar, mas nunca viram Papai Noel nem seus presentes! Desses meninos
que se encontram no fosso que separa as famílias ricas das mais pobres e das
que sequer possuem o que comer! O menino levantou-se e eu o segui. Depois de
alguns quarteirões, bateu na porta de uma pequena casa. Uma mulher apareceu e o
enlaçou com um abraço carinhoso, murmurando: "É tão tarde filho"! O
menino ficou em silêncio. Enfiou as mãos nos bolsos e deu-lhe umas balas:
"São para você mamãe, eu as ganhei de um velhinho que passava pela rua".
A mulher voltou a abraçar o filho e, triste por saber que seria mais um natal
sem presentes cantarolou: "Papai Noel porque será que você não pensa em
mim. Meu sapatinho já cresceu, mas não ficou tão grande assim grande
assim"! A luminosidade branca da canção invadiu o ambiente. Atordoada, a
mãe voltou-se para o filho que, adormecido, sorria! Senti ali a verdadeira
magia do natal ao ver que mãe e filho desfrutavam de uma tranquilidade ímpar
que não pode ser comprada com dinheiro ou conquistada pelo poder! A porta fechou-se
devagar e eu me afastei. Ao reencontrar minha mulher, esta se surpreendeu com a
expressão feliz do meu rosto. Foi assim essa mística cena de natal!
* Juiz de Direito
aposentado
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