À sombra de Caim
* Por
Talis Andrade
Partilho com vocês a reportagem abaixo, sobre a visita do
papa Francisco A um cemitério militar da Itália que prescinde de comentários:
“Papa Francisco visitou
neste sábado de manhã o maior cemitério militar da Itália, para ‘rezar pelas
vítimas de todas as guerras’”. A iniciativa, anunciada em junho passado pelo
próprio Papa, visava assinalar o centenário do início da I Guerra Mundial
(1914-1918), que causou a morte a nove milhões de pessoas, entre soldados e
civis.
Foi ‘como peregrino’
que o Papa se deslocou ao chamado Santuário militar de Redipuglia, em Gorizia,
região próxima da fronteira de Itália com a Eslovênia, visitando um cemitério
inaugurado em 1938 para dar sepultura a 100 mil italianos que tombaram no
decurso da I Grande Guerra.
Logo após a sua chegada
ao aeroporto local, o Papa deslocou-se ao cemitério austro-húngaro de Fogliano
di Redipuglia, detendo-se em oração e depositando um ramo de flores diante do
monumento central.
A Missa, no Santuário
militar de Redipuglia, decorreu num ambiente de grande recolhimento, com a
participação de uns dez mil fiéis, não obstante o frio e a chuva. Presentes
também peregrinos provenientes de países limítrofes, nomeadamente da Eslovénia,
Áustria e Hungria.
Na homilia, num tom
meditativo, direto, evocando a beleza daquela região, com a vida quotidiana das
pessoas, na tranquilidade da paz, o Papa Francisco declarou sem meios termos: a
guerra é uma loucura: a guerra destrói; destrói até mesmo o que Deus criou de
mais belo: o ser humano. A guerra tudo transtorna, incluindo a ligação entre
irmãos. A guerra é louca: como plano de desenvolvimento, propõe a destruição!
Apontando como motivos
que impelem à opção bélica a ganância, a intolerância, a ambição do poder, o
Papa observou que tais motivos são muitas vezes justificados por uma ideologia;
mas, antes desta, existe a paixão, o impulso desordenado.
A ideologia é uma
justificação e, mesmo quando não há uma ideologia, há a resposta de Caim: ‘A
mim, que me importa? Sou, porventura, guarda do meu irmão?’ (Gn 4, 9). A guerra
não respeita ninguém: nem idosos, nem crianças, nem mães, nem pais… ‘A mim, que
me importa?’
Todas as pessoas, cujos
restos repousam nestes cemitérios – observou o Papa – tinham projetos, sonhos,
mas as suas vidas foram ceifadas. Porquê?!
Porque a humanidade
disse: ‘A mim, que me importa?’ E mesmo hoje, depois do segundo falimento de outra
guerra mundial, talvez se possa falar de uma terceira guerra combatida ‘por
pedaços’ com crimes, massacres, destruições… Para serem honestos, os jornais
deveriam ter como título da primeira página: “A mim, que me importa?” Caim
diria: ‘Sou, porventura, guarda do meu irmão?’
Aludindo ao Evangelho
do juízo final (Mt 25), Papa Francisco sublinhou que esta atitude é, exatamente,
o contrário daquilo que Jesus nos pede… Ele está no mais pequeno dos irmãos;
Ele, o Rei, o Juiz do mundo, é o faminto, o sedento, o estrangeiro, o doente, o
encarcerado… Quem cuida do irmão, entra na alegria do Senhor; quem, pelo
contrário, não o faz, quem diz, com as suas omissões, ‘a mim, que me importa?’,
fica fora.
Aqui e no outro
cemitério há aqui muitas vítimas. Hoje recordamo-las: há o pranto, o luto, o
sofrimento… Daqui recordamos todas as vítimas de todas as guerras.
Também hoje as vítimas
são tantas… – prosseguindo o Papa, interrogando-se como é possível isto.
É possível, porque
ainda hoje, nos bastidores, existem interesses, planos geopolíticos, avidez de
dinheiro e poder; e há a indústria das armas, que parece ser tão importante! E
estes planificadores do terror, estes organizadores do conflito, bem como os fabricantes
das armas escreveram no coração: ‘A mim, que me importa?’
É próprio das pessoas
sensatas reconhecer os erros, sentir tristeza por os ter cometido,
arrepender-se, pedir perdão e chorar.
Com o ‘a mim, que me
importa?’ que têm no coração, os negociantes da guerra talvez ganhem muito, mas
o seu coração corrupto perdeu a capacidade de chorar. Caim não chorou, não
conseguiu chorar.
Hoje a sombra de Caim
estende-se sobre nós aqui, neste cemitério. Vê-se aqui! Vê-se na história que
vem de 1914 até aos dias de hoje; e vê-se também em nossos dias.
Com coração de filho,
de irmão, de pai, peço a vós todos e para todos nós a conversão do coração:
passar de ‘a mim, que me importa?’… ao pranto. Por todos os mortos daquele ‘inútil
massacre’, por todas as vítimas da loucura da guerra de todos os tempos,
chorar. Irmãos, a humanidade precisa de chorar; e esta é a hora do pranto.
No final uma militar
italiana recitou, no meio da comoção geral, uma oração pelas vítimas de todas
as guerras, concluindo com o toque de clarim convidando ao silêncio de evocação
de todos os mortos…
O Santo Padre entregou
aos bispos e responsáveis pela pastoral militar uma lâmpada que vai ser acesa
nas respectivas dioceses, no decorrer das cerimônias comemorativas da I Guerra
Mundial.
Fogliano Redipuglia é
uma localidade do nordeste da Itália, próxima da fronteira com a Eslovênia,
palco de uma das frentes de batalha mais encarniçadas da Primeira Guerra
Mundial. Nesse município há dois cemitérios nos quais jazem combatentes do
império austro-húngaro e da Itália.
A intenção do Papa foi
invocar a paz e orar pelos mortos em todos os conflitos bélicos, razão pela
qual, de maneira simbólica, compareceu, em uma visita pastoral de apenas cinco
horas, aos dois campos-santos para honrar os caídos de todos os lados.
No cemitério de
Redipuglia celebrou uma missa em uma colossal escadaria de pedra coroada por
três cruzes, cuja construção foi ordenada por Benito Mussolini em 1938 e que
hoje em dia é o maior monumento aos mortos de guerra de todo o país”.
* Jornalista, poeta,
professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou
em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do
“Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e
“A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado
“Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).
Nenhum comentário:
Postar um comentário