Revivendo 3
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Eduardo Venera dos Santos Filho)
Foi um único dia, melhor, madrugada, em que, com mais pessoas, saímos
para pular Carnaval num lugar chamado, creio “Clube Dr. Blumenau”. Pelas
minhas lembranças era 12 de fevereiro de 1972, e eu tinha 19 anos. Na verdade,
o Carnaval não importava muito, e sequer entramos naquele salão. Ficamos no
carro verdinho claro, ouvindo músicas como “Marie Jolie” e conversamos as mais
diferentes coisas, enquanto lá dentro do clube lotado as pessoas dançavam e
cantavam a música que fala de Arlequim e Colombina. Ao invés de Carnaval,
naquela noite, o que nos aconteceu foi, pela vez primeira, ver espocar os mais
maravilhosos fogos de artifício do mundo ouvindo o ruído de uma cachoeira.
E então a vida seguiu e tanto aconteceu, mas tanto, que eu quase já não
lembrava algumas coisas de quando tinha 19 anos, mas andava inquieta, querendo
redescobrir onde fora esse Clube Dr. Blumenau, que hoje já não existe mais.
Então, neste feriado de Carnaval, encontrei uma pessoa muito velha daquele
bairro, e pesquisei com ela, já que os mais jovens não têm lembrança de que um
dia existiu um clube assim. E com toda a facilidade a pessoa essa pessoa mais
velha me explicou:
- O Clube Dr. Blumenau? Era ali onde hoje é a escola!
Céus, bem onde hoje é a escola, uma escola cheia de vigilância, onde
feroz guarda não deixa entrar nem um mosquito não autorizado, quanto mais uma
mulher com um cachorro! Naquele lugar se cantou e se dançou no passado, e ali
se podia ouvir “Marie Jolie” dentro de um carro parado, e a rua movimentada era
uma estradinha sem calçamento, e grandiosos sentimentos avassaladores cabiam
ali e coloriam a madrugada em cores que nunca se desvaneceram... então era ali,
ali mesmo, no lugar da escola!
Dirigi o carro até ali, fiz a volta, parei do outro lado da rua, aspirei
profundamente, tentando sentir se ali ainda estava uma molécula que fosse
daquele ar lá do passado – e há, sim, os sinais estão ali, como aquela árvore
que ficou no meio da rua enquanto o bairro crescia no seu entorno, e uma
casarão rosa e outro amarelo ainda são daquele tempo – só o coração para trazer
tais lembranças naquele espaço agora todo ocupado, que tem creche, igreja, e
todo o tipo de construções modernas, inclusive um edifício alto e um banco.
Inadvertidamente, por ali passei mil vezes sem descobrir que fora naquele
lugar.
Então hoje, atenta àquele espaço que só vira uma única vez e no escuro
da madrugada, pude sentir como vinham, em ondas, os sons do salão, que diziam
de “Quanto riso, oh! Quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão! Arlequim
está chorando pelo amor da Colombina”, e como estava de novo dentro daquele
carro verdinho claro onde o universo inteiro cabia e ficava encantado com
“Marie Jolie”, encantamento tão grande que já não cabia mais dentro de mim, de
nós, a ponto de termos fugido dali para vermos o espocar colorido dos fogos de
artifício que ainda nunca víramos!
Clube Dr. Blumenau, carnaval de 1972, começo de vida, de vidas, onde
ficou tudo? As pessoas já nem lembram, mas dentro de mim as lembranças são tão
fortes que aquela árvore no meio da rua e os dois casarões antigos tudo puderam
trazer de volta como se o tempo não tivesse passado. E quase ninguém nem sabe
mais que ali, um dia, se dançou e se pode ser tão feliz que nunca acabaria!
Assim é o amor.
Blumenau, 03 de março de 2014.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Como é maravilhosa a memória por nos propiciar essas viagens ao passado, sem pressa e com uma felicidade enorme. Eu também fui ao clube, porém era outro, noutra cidade, mas com o mesmo encantamento. Não fui no seu carro, mas na carona das suas lembranças , Urda. Feliz de quem pode rememorar e levar os outros juntos na leitura.
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