O Recife como ele sempre foi
* Por Clóvis Campêlo
Nasci em plena Avenida Conde da Boa Vista, no centro do Recife, em um
casarão que pertenceu à várias famílias tradicionais da cidade. Nele,
posteriormente, por vários anos, funcionou uma clínica psiquiátrica
suspeitíssima por manter em suas dependências como doentes mentais moradores de
rua, para lá levados em um convênio macabro mantido durante décadas com a
polícia estadual.
Sobre o casarão, aliás, consta também que, em uma reforma feita nos anos
50 do século passado, foi encontrado em suas paredes um esqueleto feminino. O
acontecimento, lido por mim nos jornais da época, no Arquivo Público Jordão
Emerenciano, suscitou-me a lembrança do romance A Emparedada da Rua Nova, do
escritor pernambucano Carneiro Vilela. Talvez fosse um hábitos social, nos
séculos anteriores, sepultar em casa os restos mortais dos entes queridos.
Hoje, o imóvel é tombado e continua de pé, mesmo com a construção de
dois espigões residenciais em seu terreno para abrigar os recifenses trazidos
pela modernidade. Enfim, a cidade cresceu e evoluiu.
Talvez por isso, também, mantenho até hoje um carinho especial pelo
bairro da Boa Vista. Lá, durante muitos anos, os meus ancestrais maternos
fizeram morada. Por lá ainda vive uma tia minha octogenária, a última das
moicanas a resistir à vida e ao tempo.
Nos anos 60, a minha avó materna foi morar na Ilha do Leite, que em nada
se comparava ao que é hoje. Saía com meus primos a passear de bicicleta pelos
sítios ainda existentes, repletos de árvores frutíferas e e de alguns currais
com vacas leiteiras. Fica difícil de imaginar isso por ali hoje em dia.
Mas para o menino que fui, interessava mesmo era o coração nervoso da
cidade, na época, constituído pelas avenidas Guararapes e Conde da Boa Vista.
Fico impressionado como essa parte da cidade estagnou do ponto de vista da
construção de novos prédios e como decaiu do ponto de vista do interesse das
administrações públicas e da iniciativa privada. Literalmente, essa parte da
cidade foi abandonada e entregue à própria sorte. Numa evolução cruel e
inexplicável, a cidade expandiu-se para outros lados, acabando com o glamour e
o charme ali existentes.
Os que, como eu, já superaram a barreira da idade da razão, com certeza,
lembram-se dos passeios nas calçadas à margem do rio Capibaribe, à noite,
chamados romanticamente de “quem me quer”. Ou das vitrines fartamente
iluminadas das ruas Nova e Imperatriz, hoje ocupadas por desocupados, moradores
de rua, sem tetos e fumadores de craque. Tornaram-se ruas assustadoras e
temerosas.
Mesmo sem a pretensão de alimentar saudosismos inúteis ou de querer
negar a inevitabilidade do futuro, lembro com saudade daqueles tempos onde a
cidade ainda nos parecia pequena e decente.
* Poeta,
jornalista e radialista, blogs:
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