Ponto
de vista
* Por Pedro J. Bondaczuk
A visão que temos, das pessoas e
das coisas, não raro é enganadora, isso no sentido literal da palavra, ou seja,
no biológico. O olho do bicho homem é muitíssimo inferior ao de alguns outros
seres vivos, como o lince ou a águia, por exemplo. Ademais, é mister que se
lembre que estamos num gigantesco (para nós) recipiente de gases, por onde a
luz tem que passar, até chegar aos nossos órgãos de visão, permitindo que
possamos identificar as imagens.
O peso que suportamos é colossal.
Só não somos esmagados por tamanha pressão em decorrência do mecanismo interno
com que a sábia e previdente mãe natureza nos dotou. Ou seja, se é fato que
somos terrivelmente pressionados de fora para dentro do nosso organismo, há uma
compensação em sentido oposto. Cada milímetro do nosso corpo exerce pressão
rigorosamente igual à que sofremos do exterior e isso proporciona o equilíbrio.
É como se não estivéssemos nesse recipiente de gases em que, na verdade,
estamos.
Mas o que me interessa,
particularmente, nestas considerações, é a precariedade da visão humana. Nosso
olho depende totalmente da luz do sol para identificar o que vê, não importa se
outras pessoas, se objetos ou se paisagens. Mas essa é distorcida pelos gases
que nos rodeiam por todos os lados. E não depende somente dela, mas do ângulo
que enxergamos o que quer que seja. Refiro-me ao o que é geralmente chamado de
ponto de vista.
Se esse aspecto é fundamental no
que diz respeito à visão biológica, igualmente o é na “psicológica”, na mental,
na do entendimento. Se tivermos informações distorcidas a respeito de um tema,
ou escassas, ou incompletas, as conclusões a que chegaremos a respeito serão
sumamente enganosas. Podem, até, parecer lógicas, mas, na verdade, não o serão.
Serão o que os filósofos denominam de “sofismas”. Ou seja, partiremos de
premissas corretas, isoladamente, mas incompatíveis para aquele determinado
assunto. A conclusão, por consequência, só pode, mesmo, ser equivocada.
Exemplo? Podemos afirmar que
alguns seres aquáticos voam (refiro-me aos peixes que têm o que se parece com
asas). Trata-se, como se vê, de afirmação verdadeira. Muitos leitores,
certamente, já os viram alguma vez, ou pessoalmente ou em filmes. A segunda
premissa é: a baleia é um ser aquático. Quanto a isso, acredito, não resta a
mínima dúvida. Ninguém, até hoje, com certeza absoluta, viu algum desses
gigantescos cetáceos se locomovendo em terra, ou passeando em alguma avenida.
Como se vê, partimos de duas
afirmações rigorosamente verdadeiras. Um sofista concluiria, porém, face a
ambas: “logo, as baleias voam”. Todos sabem que isso é o absurdo dos absurdos.
Ou seja, é falso. As duas premissas são corretíssimas, mas incompatíveis nesse
silogismo específico. Logo... A conclusão é mais falsa do que cédula de quinze
reais.
O mesmo tipo de engano cometemos
na avaliação de pessoas. Muitas vezes nos empolgamos com informações que
recebemos a respeito de determinados “heróis”. Ouvimos falar dos seus
admiráveis feitos e não nos damos o trabalho de pesquisar se são verdadeiros ou
se não são, pelo menos, exagerados. Fizéssemos uma análise mais acurada e
criteriosa, concluiríamos que esses indivíduos, que às vezes idolatramos, não
passam de “ídolos com pés de barro”. Ou seja, não se sustentam eretos, por se
tratarem de poltrões: corruptos, tiranos, violentos e covardes. A História
consagrou uma infinidade desses tipos.
É verdade que o oposto deste
comportamento é até muito mais comum. Pessoas notáveis, abnegadas e
realizadoras, são, via de regra, vítimas de detratores, em geral gratuitos (que
fazem suas intrigas ou por inveja, ou por complexo de inferioridade ou por
tantos outros motivos). Raramente tomamos conhecimento dos seus magníficos
feitos e nobres motivações. Acreditamos liminarmente no que ouvimos a seu
respeito e cometemos, amiúde, terríveis injustiças.
Como no olhar biológico, o
psicológico também depende do ponto de vista. Em uma determinada posição
“enxergamos” uma coisa, e quando a mudamos, “vemos” outra completamente
diferente. Daí ser prudente a atitude de jamais nos precipitarmos nas
conclusões. Estas devem ser maduras, refletidas, pesadas e, ainda assim, não
estão totalmente isentas da possibilidade de engano.
Li, recentemente, uma afirmação
de Friedrich von Hartenberg Novalis que ilustra a caráter essa relatividade de
visão (biológica e, principalmente, psicológica). O escritor escreveu o
seguinte a respeito: “Quando vemos um gigante, temos primeiro de examinar a
posição do sol e observar para termos certeza de que não é a sombra de um
pigmeu”. Não é o que acontece? Claro que sim! O sábio, todavia, precavê-se em
relação aos pontos de vista com que observa o que quer que seja. Esse, aliás, é
um dos segredos (possivelmente o principal) da condição de sabedoria que
ostenta.
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Está certo que alguma coisa parece que é e não é, mas a maioria que parece ser, realmente é. O psiquismo tem força para determinar quem é quem. Dai alguém ser amado por uns e odiado por outros.
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