segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Duas zebras

* Por Daniel Santos

Noite alta, inédito animal se insurgia entre as grades verticais do pijama de listras. Foi quando o garoto abriu a braguilha e sentiu que não tinha mais em rédeas o que lhe escapuliu aos coices, todo insolências.

Terminara a infância! Uma nova umidade suspendeu-o em perturbadores eflúvios. Pela primeira vez, se deu conta dos músculos, dos pêlos e, sobretudo, de um maxilar poderoso: queria enterrar os dentes.

Sim, era como se experimentasse um novo tipo de fome, a fome de caça, de algo que pudesse adivinhar pelo faro e submeter pela gana. Foi assim que se levantou e seguiu pelo corredor até o quarto da empregada.

Viu-a insone através da persiana que o luar trespassava para tingir em seu corpo listras quase iguais às do pijama dele. Na estamparia, os dois identificaram-se zebras – noturnas, opalescentes, em ponto já de galope.

Ele abriu a porta, ela abriu espaço na cama, suas listras emaranharam-se como linhas tortas de iletrados. E como iletrados erraram e erraram até merecerem o zero da consumição, condenados à repetência.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.






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