O famigerado jeitinho ainda acaba com o futebol
* Por Marco Alves
Eu não me lembro direito quando foi e nem por qual motivo comecei
a gostar de futebol. Sei que aquele gostar logo se transformou em paixão.
Inexplicável, como qualquer paixão. Foi ali pela copa de 74, eu uma criança, o
Brasil dos militares tricampeão do mundo, um ufanismo contagiante ainda mais no
interior de Minas, e foi nessa época que a imbatível (ao menos aos meus
olhos de criança) seleção canarinho sucumbiu ante o exército laranja da
Holanda. A primeira decepção.
Um ano depois, eu ainda um moleque, passei a acompanhar a coisa mais de
perto. Como esquecer o rádio? Como explicar para um adolescente de hoje o que
era ouvir Jorge Cury e Waldir Amaral transmitirem um Fla-Flu de Maracanã
lotado? Era o Fluminense de Rivelino, Paulo César Caju, Gil, uma máquina
de jogar bola que justamente ganhou esse apelido: máquina. Eu ficava extasiado.
Um negócio louco, outros times imensamente bons, o Cruzeiro de Nelinho,
Joãozinho e Piazza; o Internacional de Figueroa, Batista e Falcão; e o meu Flu
(já podia falar “o meu Flu) fazendo bonito, encarando essas outras “máquinas” e
aquilo era mesmo um sonho de menino. Não tinha dúvida: queria ser jogador
quando crescesse.
E foi em meados dos anos oitenta que um tio, jogador de bola, torcedor
do Flu como eu, disse o seguinte: não fala mais de futebol comigo. E continuou:
acabou o futebol, hoje em dia não tem mais futebol. É outra coisa. Ele, um
sujeito de opinião e que eu respeitava. Costumava repetir, dizia
convicto: Garrincha foi quem fez Pelé. Esse mesmo cara, que vi muitas vezes
“comer a bola” em campo, era um craque e me despertou a vontade de ser também
um jogador de futebol – coisa que nunca consegui mas nunca sofri com isso –ao
contrário, esse esporte só me deu amigos e lembranças inesquecíveis. Esse
sujeito se disse decepcionado com o futebol “daqueles dias”. A segunda
decepção.
Caramba! Eu comecei com isso por causa dele, tornei-me um tricolor por
causa dele, passei a amar futebol por causa dele e o cara vem dizer para não
falar de futebol? O pior é que era verdade, meu tio nunca mais quis saber de
falar de futebol, pelo menos, não como antes. Dizia, é tudo um negócio, não tem
mais poesia, é só pancadaria, correria e dinheiro. Fui cético em relação
a isso, Pensei: ele está viajando, está ficando velho.
Continuei fã, continuei vendo jogo, ouvindo jogo, lendo jogo, sofrendo,
torcendo, pirando por causa de futebol. Por muito tempo. Aliás, até há bem
pouco tempo. Tive a felicidade de ver meu time ganhar um monte de campeonatos,
clássicos, vi muito jogador do Fluminense na seleção brasileira, em Copa do
Mundo, no futebol europeu.
Mas sabe que começo a pensar parecido com o Zé, meu falecido e saudoso
tio? Quando vi esse Júlio Baptista, do Cruzeiro, pedir para o zagueiro do Vasco
fazer o gol...como é que é mesmo? “Faz logo outro!” Rapaz, me senti um otário.
Um idiota. Então é isso? O sujeito ganha uma grana burra, treina todo dia, posa
ao lado dos torcedores com jeitão de herói e dentro de campo – no Maracanã
(?!?) o palco dos ídolos maiores desse esporte, tem esse comportamento? Para.
Não que tenha sido a primeira evidência de que há “arranjos”, “acertos”,
“combinações”...foi, por assim dizer e manter alguma coerência neste texto,
mas...espere um pouco. Somos pentacampeões mundiais. Vamos realizar uma
Copa do Mundo. Temos aquele que é considerado o campeonato nacional mais
difícil do planeta. Tem time lutando para não cair, outros para entrar na Zona
de Classificação da Libertadores...e esse jogadorzinho – porque Júlio Baptista
não passa disso, fala assim, para todo mundo ver, que aquilo ali na verdade é
uma pelada, um jogo de compadres?
Já vi isso na várzea, no campinho de terra onde eu, descalço e correndo
como louco, achava que jogava alguma coisa. Já vi aqui e ali, sempre
desconfiado. Teve o Brasileiro de 2005 com o juiz ladrão que confessou tudo à
revista Veja. É, já tivemos casos isolados. Mas agora começo a pensar se são
mesmo casos isolados ou se é a regra. Começo a acreditar na segunda hipótese.
Sinceramente, começo a desacreditar por completo. O último que sair apaga a
luz.
Jornalista
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