Tarde demais 23
* Por
Gustavo do Carmo
— Boa tarde, eu queria falar com a Conchita? – perguntou o rapaz.
— Me desculpe, mas ela
faleceu – respondeu uma voz bem tremida de homem, aparentemente um idoso.
— Quando foi? – perguntou
assustado.
— Ano passado.
— Pôxa, mas que pena!
Meus pêsames!
— Obrigado.
— Ela morreu de quê, me
permita perguntar?
— Ela já tinha câncer,
mas a saúde dela piorou depois do lançamento do livro dela, quando o amigo que
ela esperava tanto não apareceu.
O rapaz que ligou engoliu
a saliva constrangido. Tinha percebido que o amigo furão era ele. Ele perguntou para se certificar.
— Me desculpe, mas esse
amigo que não pôde aparecer se chamava Rodrigo?
— A gente nunca esquece
dessas coisas. É Rodrigo, sim!
— O senhor é o Zé?
— Sim, sou eu. Quem queria falar com ela?
— Senhor Zé. Eu sou o
Rodrigo. Quero te pedir perdão por eu não ter ido. Ela me ligou, meu celular
estava fora de área e ela deixou recado. Mas não disse o número do seu
telefone.
— E você não tinha o
nosso telefone?
— Só o do Rio. Mas ela tinha
falado que se mudou para Nova Friburgo, mas não me deu o número novo. A Dona Conchita ligou pro meu pai, mas ele
também não anotou.
— Olha, Rodrigo. Eu não
quero te deixar mais culpado. Esquece isso. Se você tinha que pedir desculpas
era à Conchita. Mas agora é tarde demais. Ela já está morta. Eu te perdoo para
aliviar a sua consciência.
— É que eu fiquei
realmente muito culpado por ela ter morrido com mágoa de mim - disse, Rodrigo.
— Se você me permite
uma indagação: por que só tentou procurá-la agora, dois anos depois do
lançamento do livro?
— Vou confessar que no
dia do lançamento eu estava viajando. Eu ia ligar para ela para desejar boa
sorte e avisar que não ia mesmo. Mas aí tive uns problemas pessoais e acabei me
esquecendo de ligar. Depois fiquei com vergonha e medo dela ter morrido, o que
acabou se confirmando. Hoje eu sonhei
com ela e resolvi procurar.
— Você teve sorte e
azar ao mesmo tempo, meu rapaz. Arriscou ligar para o apartamento do Rio, para
onde eu voltei e estou morando com o meu filho, mas teve o azar de saber que
ela morreu. Bem, como eu disse, está perdoado. Mas mantenha contato, rapaz.
– Pode deixar, meu
senhor.
Mesmo sem levar fé na
promessa do amigo de sua falecida esposa, Seu Zé continuou na linha e perguntou
sobre a carreira de escritor de Rodrigo, que ainda está tentando republicar o
seu segundo livro, boicotado pela editora original.
O ancião disse que
estava escrevendo um livro também, sobre a vida de sua falecida esposa, já que
o livro dela era sobre ele. Convidou o novo jovem amigo para o lançamento.
Rodrigo, mais uma vez, se esqueceu de ir e avisar. Mais dois anos depois, ele
resolveu ligar e descobriu que Seu Zé também tinha falecido.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor
de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São
Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora
Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu
blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
Um amigo relapso e sempre atrasado. Semelhante ao relógio cujo ditado fala: relógio que atrasa não adianta. Pobres seu José e dona Conchita.
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