O desconfiado da TI
* Por Rodrigo Ramazzini
“Todo
mundo em casa e eu indo trabalhar. Escravidão!”, reclamou Ronaldo para si mesmo
ao entrar no trem quase vazio rumo ao trabalho. Era feriado e um chamado de
emergência o obrigou a se deslocar até a empresa, onde atuava na área de Tecnologia
da Informação.
Ingressou
no trem e a irritação em que se encontrava se dissipou rapidamente, assim que
notou a bela morena de coxas grossas sentada à sua direita. “Meu Deus do céu!
Que mulher é essa, hein? Linda e muito gostosa. Nossa!”, pensou.
A
morena como se lesse pensamentos abriu um sorriso para Ronaldo. Ele retribuiu e
arrumou-se no assento. O barulho do trem em deslocamento inundou o vagão. Em
meio às esporádicas cobiçadas na morena, que não lhe tirava os olhos, Ronaldo
ficou a divagar sobre as próprias inquietações, mexendo no telefone e tendo
como trilha sonora a banda Pearl Jam no fone de ouvido. Foi quando a morena inesperadamente
bateu no seu ombro:
-
Oi!
-
Opa! Oi...
-
Tudo bem?
-
Tudo!
-
O que está escutando?
-
Pearl Jam. Gosta?
-
Gosto! É muito bom!
-
É mesmo!
-
Um ótimo fundo musical para uma transa... Eu acho pelo menos!
-
Ô se é!
-
Está indo onde?
-
Para o trabalho...
-
Putz! Em pleno feriado? Com tanta coisa interessante para fazer...
-
Pois é...
-
Tomar um chopp comigo... Não seria um bom programa?
-
Seria! Mas...
-
Mas?
Silêncio.
Ronaldo olhou a morena de cima a baixo. Era muita “areia para o seu caminhão”. O
seu senso de desconfiança despertou. Tinha coisa errada. Não podia uma mulher
linda como aquela se interessar por ele. Nunca tinha acontecido. “Por que
agora?”, questionou-se. Não podia ser verdade. Tinha armação. “A esmola era
demais”, pensou.
-
Trabalha com o quê?
-
Informática...
-
Hum... Já desconfiava!
-
Ué! Por quê?
-
Todos vocês que trabalham com isso tem um jeitinho de nerds...
-
Para com isso!
-
E eu adoro!
-
Hum...
-
Tem um ar de mistério que me atrai. Sei lá!
-
Sei... Sei... Trabalhas onde?
-
Sou secretária.
-
Sei...
-
Por que essa cara?
-
Não é modelo?
-
Não!
-
Não mesmo?
-
Não!
-
Sei... Sei...
-
E aí, vamos tomar um choppinho?
-
Não vai dar. Tenho que descer na próxima estação...
-
E depois do trabalho, talvez?
-
Fala sério!
-
O quê?
-
Estou participando de alguma pegadinha da televisão, né?
-
O que está falando?
-
Teste de fidelidade do João Kleber é isso?
-
Não estou entendendo!
-
Pegadinha do Domingo Legal, então?
-
Não viaja!
-
Da Record?
-
Não viaja! Por que está perguntando isso?
-
É que...
-
Sua estação está chegando. Vamos ou não tomar um choppinho? Anota o meu
telefone aí... Ou melhor, me adiciona no Facebook: Sheila Silva! Conversamos
por lá! Nome?
-
Me diz uma coisa: vai me sair quanto essa saída?
Neste
instante o trem para na estação.
-
Como assim?
-
Olha, como assim? Vai me sair quanto essa saída? Está na cara que você é...
-
Agora entendi! Seu grosso! Estúpido! Idiota! Está pensando o quê? Palhaço!
Ronaldo
desce do trem em meio aos xingamentos da morena. A situação o atordoa o
restante do feriado. No dia seguinte, ele resolve desabafar com um amigo sobre
o ocorrido e narra-lhe toda a história, que com uma visão menos cética e maior
senso de oportunidade, indaga-lhe?
-
Em algum momento chegou a te passar pela cabeça que ela realmente poderia estar
interessada em ti?
A
morena recusou-se a adicioná-lo no Facebook que mostrava o seu perfil como
secretária de um escritório de advocacia. Todo o dia Ronaldo vai à estação de
trem a sua procura, mas sem sucesso. Então, balançando a cabeça de um lado para
outro e como um louco esbraveja penitenciando a si mesmo:
-
Burro! Burro! Burro!
* Jornalista e contista gaúcho
Com receio de se passar por bobo, acabou como bobo e meio.
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