A pequena costureira de asas
Por
Cida Pedrosa
A menina espiava a terra molhada com a vista atenta. O barro da estrada
estava lisinho, sem sinais de patas, rodas de carro-de-boi, pneus de bicicleta
ou de carroça. Perfeito para busca do dia. O sol também ajudava, era manhãzinha
e o orvalho brilhava nas folhas do marmeleiro. Tudo era odor, cores e canto de
pássaros atrasados. Tempo certo para procura.
As caixinhas de fósforos e os vidrinhos de vermífugo vazios sacolejavam
no pequeno bornal feito de pano. Olhos sempre atentos em direção dos que não
deixam rastro fácil na estrada. De repente! bamboleante, bolinhas brilhantes,
vermelho e preto, patinhas ligeiras, anteninhas para o alto. Carochinha! O mais
docinho dos insetos.
A menina, com mãos precisas, acolhe na caixinha o bichinho. Tinha tomado
o cuidado de fazer pequenos furinhos para que o ar penetrasse no pequeno
cárcere improvisado. Anda, anda e vê de longe um rola-bosta. Este não serve. É
bonito, porém nojento.
Estrada afora mais um pouco e de repente: verde e brilhante como uma
esmeralda, rajado como diamante, lá vai ele, rápido e sagaz, quase perfeito, o
único problema é o cheiro de besouro que ele tem. A menina se apressa e alcança
o alvo desejado. Este vai para o vidrinho, dará menos trabalho na hora da
soltura.
O sol já está na metade primeira do céu e é hora de voltar para casa. Já
teve dias de coletas melhores, mas dois é suficiente para os afazeres da tarde.
Nem bem aponta na porteira a mãe lhe chama para a tarefa da louça da merenda. O
bornal é encostado num canto à espera da hora costumeira.
No início da tarde, quando todos dormem e encostam a labuta em suas
redes, a menina se põe em um canto da parede, abre a caixa de chapéu Ramezoni e
espalha as bonecas de sabugo pelo chão. Os retalhos coloridos, frutos das
sobras das máquinas de costura da família, são moldados milimetricamente e
pregados com cera de abelha no sabugo. Lindas bonecas, vestidas a caráter,
prontas para as jóias.
Bem devagarzinho a menina abre a caixa de fósforos e duas anteninhas
trêmulas apontam assustadas; com a delicadeza dos atos necessários ela segura a
carochinha entre o polegar e o indicador. A primeira asa é arrancada de um só
golpe, a outra demora um pouco, quando a dor se instala qualquer corpo se
rebela.
A boneca Maria ganha um lindo broche de bolinhas e, enquanto isso, no
vidrinho transparente, o cascudo estimado se esvai sem ar e sem ver como asas
verdes translúcidas, se transformam em um lindo colar de esmeraldas para a
boneca Beatriz.
*
Poetisa e vereadora no Recife
Malvadezinhas infantis perdoáveis pelo alto grau de fantasia. Por aqui o nome do bichinho vermelho de bolinhas pretas é Joaninha.Coisas que nunca fiz. Eu afogava os insetos em álcool dentro de um vidrinho de injeção e os eternizava.
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