Venha conhecer meu
paraíso!!!
* Por Urda Alice Klueger
Quando eu a reformei e a deixei a meu gosto, fi-lo
pensando no que alguém me dissera: “Cuide bem da sua penúltima morada, porque
da última os outros cuidarão”. Portanto, fi-la para passar nela o resto da
minha vida.
Acontece que depois de poucos
anos surgiu no meu horizonte um outro lugar onde acho que vai ser minha
penúltima morada, e lá é um paraíso inesperado, lugarejo com quase 300 anos de
história, sem hotéis, sem edifícios, sem pousadas, com sua igrejinha mui antiga,
pescadores, maricultores, bichos-grilos e outros habitantes que, como eu,
acabam por voltar às origens do mar (um dia todos nós saímos do mar!) para
viver a intensidade das últimas décadas, sabe-se lá se não a intensidade de só
alguns anos que devem ser muito bem vividos! Esse paraíso está a apenas 10
minutos do centro de uma cidade de 200.000 habitantes, com tudo o que gente
velha precisa: médicos, bancos, etc. Portanto, já deixo explicado o porquê de
estar querendo abandonar este pequeno paraíso que estou querendo vender e, que
para começo de conversa, está completamente livre de enchente, barranco ou
ribeirão, coisa que já o torna MUITO atraente, em se tratando da cidade de
Blumenau/SC, lugar dado a tantos desastres naturais.
Qualquer construção poderia estar
em tal lugar privilegiado, no entanto, mas nenhuma, claro, seria como a minha
casinha branca e rosa, que tem na porta o anúncio de que ali mora um cão feliz,
e embora não haja anúncio, também ali mora uma gata muito dengosa e caçadora,
afeita a vir do mato dos fundos com ratos de diversos tamanhos carregados na
boca, e que são devidamente devorados na garagem para dois carros.
Esta minha casinha é encostada em
outra, que é encostada em outra, e depois outra e outra, e elas formam como que
uma muralha fechada por um portão que se abre com controle remoto e onde só
entra quem mora no pequeno moderno burgo ou quem é convidado de algum dos
moradores, coisa muito segura, onde a gente compartilha um jardim comunitário,
um salãozinho de festas e um parquinho de diversões com quadra de macia areia,
onde crianças muito educadas jogam futebol ou vôlei nos finais das tardes,
maravilhosas crianças que jamais ultrapassam o portão da gente sem pedirem
licença e que no dia primeiro de dezembro já estão de férias, pois, de tão
estudiosas, passam todas sem exame. Fico fascinada com alguns meninos que são
mais meus amigos que os outros, e que tudo manjam de mapas, de geografia e de
história! Não é em qualquer lugar que se encontram vizinhos assim, nem meninas
pequenas que leem poesia e uma há que até está a escrever um livro, apesar dos
seus oito anos!
Minha casinha se separa da
ruazinha onde está por uma cerquinha branca, e tem um pequeno jardim de grama
pelo de urso, com um pé de lindas flores amarelas e outro de boldo, pois dou
chá de boldo para minha gatinha, quando ela come ratos demasiados, para que
melhore do estômago.
Do lado do jardim, há a varanda
que me serve de sala de visitas quando chegam as pessoas do coração, com suas
cadeiras brancas e sua mesa branca com toalha de renda, e onde posso trabalhar
com um lap-top. As crianças das casas vizinhas costumam vir até à cerca da
minha varanda para me contar seus sonhos e seus sucessos – é muito lindo saber
da imaginação que há dentro de cada uma!
Depois vem a sala, como em todas
as casas, para as visitas mais de cerimômia ou para os dias frios. Na verdade,
esse andar inteiro mede 100 m2, e são três quartos luminosos, dois banheiros
onde o vento das manhãs seca as toalhas de banho em qualquer estação, a sala de
jantar, a cozinha e área de serviço. O arquiteto que fez a reforma para mim
disse que hoje se constroem apartamentos de três quartos em apenas 50 m2 – nem
consigo imaginar tal coisa!
Pois é, daria para uma família
média morar confortavelmente só nesse piso – não há muito terreno atrás, coisa
só de um metro e meio, mas como a floresta contígua é área de preservação
permanente (há uma nascente em algum ponto, lá dentro da mata - Floresta
Atlântica legítima, se desdobrando em quadras e quadras, a partir dali, e virando
todo um morro até o outro lado), é como se o terreno nunca acabasse.
Não é só isso a casa, porém! Da
sala de jantar, toda branca e rosa, passando por uma escada de canela preta de
oitenta anos de uso, salva de uma demolição (como aquelas escadas de filme – ou
da casa da vovó), vai-se ao outro piso, e lá são mais setenta metros quadrados
de área, com os fundos em vidro, para que melhor se possa observar atentamente
as cotias, os macaquinhos, os tucanos de longos bicos, as inúmeras outras aves
– bichos mais simples, como gambás e lagartos, a gente nem conta. Como era para
ser minha penúltima morada, tomei cuidado com a segurança, coloquei extensa
grade de ferro protegendo aquele vidro todo (pelo lado de fora) e cuidei para
pintar a grade de verde escuro, para que não aparecesse diante da floresta.
Aliás, é bom lembrar que todas as entradas da casa estão devidamente gradeadas
em ferro, evitando qualquer susto futuro.
Setenta metros quadrados é um
bocado de metro – em tal espaço também existe o espaço para secar roupa,
genialmente criado pelo arquiteto que ali trabalhou, e um banheiro rosa e
branco, onde, vez ou outra, quando desço as escadas em silêncio, pego alguma
fadinha tomando banho, com a água do chuveiro batendo em suas asinhas
translúcidas – são fadinhas muito tímidas, costumam fugir para a floresta
quando são percebidas. Mas é uma paixão encontrar alguma delas ali!
Ah! E não posso esquecer a
janelinha feita para o meu cachorro, ao rés-do-chão, com sua varandinha
gradeada e seu telhadinho, onde ele se refestela a espiar e acoar os
animaizinhos da mata.
Nesse grande espaço do outro piso
eu fiz uma biblioteca, um escritório – pensava em melhorar mais, fazer uma sala
alcatifada para a música e a leitura – adoraria que quem comprasse a casa
utilizasse tal área para algo ligado à Arte, mas sabe como é, lá se pode fazer
praticamente qualquer coisa.
Não posso esquecer que minha
casinha rosa e branca tem um ponto central de luz, um espaço dentro dela,
coberto por uma claraboia translúcida, que a ilumina toda por dentro. Nas horas
do meio do dia, a luz do sol a alcança em todos os níveis – e também não dá
para esquecer que ela possui a possibilidade de se fazer ainda mais um piso,
como alguns vizinhos já fizeram... e nem dá para esquecer das manhãs em que acordo
e há quatro tucanos pousados na janela da cozinha...
Quem quer comprar? Eu estou
querendo ir lá para a beira do grande mar-oceano...
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Está igual ao anúncio de um sítio feito por Olavo Bilac. Tão linda que dá vontade de desistir e não vender.
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