Um tipo,
uma seleção de vida
* Por Graham Greene
Uma autobiografia é somente uma “seleção da vida” –
ela pode trazer menos erros do que uma biografia, mas é necessariamente ainda
mais seletiva, pois começa mais tarde e acaba prematuramente. Como não é possível
finalizar um livro de memórias no leito da morte, qualquer conclusão é
arbitrária e eu preferi terminar este ensaio com os anos de fracasso que se
seguiram após a publicação do meu primeiro romance.
O fracasso também é um tipo de morte: a mobília vendida,
as gavetas esvaziadas, o caminhão de mudanças aguardando como se fosse o carro
fúnebre na rua, para nos levar a um destino menos caro. Existe também outro
sentido de um livro como este ser apenas uma “seleção da vida”, pois ao longo
de sessenta e quatro anos eu vivi tanto com pessoas imaginadas como com homens
e mulheres de verdade. Na verdade, embora tenha tido muitos amigos, não consigo
lembrar nenhuma anedota de alguém famoso ou notório – as únicas histórias das
quais lembro vagamente são as que eu escrevi.
E qual é o motivo de registrar estas anotações do
passado? É o mesmo que me fez ser um autor: um desejo de reduzir o caos da
experiência a algum tipo de ordem, e uma curiosidade voraz. Não se pode amar
aos outros, ensinam os teólogos, a menos de se amar a si próprio, de alguma
forma, e curiosidade também começa em casa.
Está na moda nos dias de hoje, entre muitos dos
meus conterrâneos, de se referir aos eventos de seus passados com ironia.
Trata-se de um método legítimo de autodefesa. “Veja como eu era idiota quando
jovem” ajuda a evitar críticas cruéis mas falsifica a história. Não somos
Eméritos Georgianos. Aquelas emoções eram verdadeiras quando as sentimos. Por
que deveríamos ter mais vergonha delas do que da indiferença da idade avançada?
Tentei, sem sucesso porém, reviver as loucuras e sentimentalismos e exageros
dos tempos distantes, e senti-los na pele, como eu sentia então, sem ironia.
in A Sort of Life, de Graham Greene. Penguin Books, 1972, London.
* Escritor inglês
Nenhum comentário:
Postar um comentário