quarta-feira, 8 de maio de 2013


“Desesperar jamais”! (Ivan Lins)

* Por Mara Narciso

As grandes perdas, as imensas lacunas naturalmente levam a pessoa ao desespero. Quando se perde a esperança, o dicionário não tem palavras necessárias para descrever o que se sente. A palavra dor é a primeira que vem à mente, seguida de adjetivos hiperbólicos. Outros substantivos aparecem amarrados ao desespero como pavor, outro bem graduado em termos de sofrimento.

Para que falar de desespero se diz o ditado que “a esperança é a última que morre”? Ele chega depois da morte, quando tudo já terminou, mas ainda é preciso passar pelo calvário dos mortos-vivos. Alguém ou alguma coisa se foi para sempre, e a vontade é sair por aí andando, andando, sem destino, e vai mesmo, com o olhar perdido, em total desamparo buscando algo que não existe mais, ou que não vai voltar nunca mais.

Desespero é um buraco sem fundo, um abismo, uma escuridão, um inferno. É estar solto no ar, com as pernas correndo no vácuo. A dilaceração percorre o corpo e para no coração, o destrói e depois corre pelos braços e pernas, rasgando suas carnes. Nesta fase, não há como escapar, mas é a única vontade que se tem: fugir de si mesmo, ficar fora da realidade, torcer para que seja um pesadelo e que se possa acordar.

Caso a dor persistisse na sua força inicial, levaria o sofredor à morte, mas a natureza tem recursos e a agonia vai abrandando, até se tornar suportável. As defesas são disparadas, a mente lança mão de recursos mentais, de ferramentas psíquicas, e a sobrevivência torna-se possível. Mas o sofrimento psicológico pode ser eterno.

O que dizem os amigos, quando a eles se recorre para chorar em busca de uma palavra de conforto, de esperança? Bem intencionados, falam palavras soltas ao vento, frases prontas, que se não atrapalham, pouco ajudam. A intenção é consolar, mas nas perdas sem medidas, nada adianta. A ferida sangrante vai formando seu coágulo, a sangria vai se estancando, depois, num processo inflamatório ocorre a granulação, e pouco a pouco, com a lentidão dos males do amor, a ferida se fecha. A cicatriz jamais se apaga.

A insônia faz o sofrimento ser mais atroz. É preciso vivê-lo momento a momento, sem intervalo, até amadurecê-lo. Quando as forças já se esgotaram, a cabeça aprende a suportar, e a vida continua, porém, esburacada e sem luz.

Que tipo de perdas leva ao desespero? O campeão hors concours é a morte de um filho, especialmente em morte trágica. Para isso não tem remédio nem conserto, só lágrimas. A perda por morte de outras pessoas, pai e mãe, ou outros parentes e amigos tem seu poder destruidor. A perda de um amor, o simples abandono ou a troca da sua pessoa por outra rende livros, filmes e textos. Perdas materiais podem levar ao desespero, visto em rede nacional quando há enchentes, seca, incêndios, terremotos ou outros fenômenos.

Há essa triste mania humana de juntar pessoas e coisas ao seu redor, tolamente pensando que aquilo, coisa e gente, podem pertencer a alguém. Estamos de passagem, e pagam-se caro pela ingenuidade quando o bem ou pessoa desaparece, restando nada, e quando muito, uma lembrança que, se no caso de gente pode consolar, no caso de coisa atormenta.

Outro gosto humano é se acostumar com situações privilegiadas e quando vem a perder a condição, cair em desespero. Entra aí poder, fama, dinheiro, beleza física, juventude, força, tudo misturado. Outra fonte de sofrimento é a perda da saúde, da autonomia, da independência, com destaque para o aparecimento de invalidez física ou mental. As perdas poderão ser súbitas nuns casos e lentas noutros, mas ainda assim, privações e dores. Pior é quando se perde pássaros no ar, ilusões, algo que poderia ser seu e nem chega a sê-lo: uma conquista amorosa, o título de um campeonato ou de beleza, uma vitória eleitoral. Mesmo com altos investimentos, essas dores menores entram como frustração e não chegam a desespero.

O sal, desde os tempos imemoriais, cura feridas. A salmoura arde, desinfeta, estimula a cicatrização, impede infecções e reabilita. É por isso que as lágrimas salgadas aliviam. À medida que o choro molha a face, vai lavando a ferida da alma, e o buraco fundo vai ficando raso, a dor se ameniza, aparece a luz e a esperança retorna. O sofrimento fica guardado, escondido num canto. Como seres adaptáveis, aqueles que têm o privilégio da sabedoria aprendem logo a viver, atingem rápido esse estágio, acham outros derivativos e novas razões para continuar. Levantam e andam em busca do seu destino.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

2 comentários:

  1. Ótimo texto, Mara. Se não chega a ser um lenitivo contra tantas e tão contundentes formas de desespero, é um lúcida reflexão sobre o assunto. Um grande abraço.

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    1. Quando estamos bem, nem pensamos em como podem ser imobilizantes momentos de desespero. Escrevi baseando-me em uma pessoa que vi no domingo passado e em minhas experiências pessoais. Obrigada pela passagem frequente e estímulos semanais.

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