O tempo em rédeas
* Por Daniel Santos
Entre
um e outro compromisso, fui, afinal, à casa de meu pai para honrar uma visita
há meses prometida e encontrei-o na calçada varrendo sem presa, meticuloso como
um chinês, dono do próprio tempo.
Àquela
hora da manhã, muitos se apressavam a caminho do serviço, mas meu velho
ignorava o curso ansioso das horas, num desprezo inabalável por essa velocidade
sem cabresto que nos arrasta à sujeição.
Nos
estapeamos amistosamente nas costas, entramos, e me bastou uma olhada na sala para perceber que, ali, o
tempo trotava com recato, sem a insolência da autonomia, fiel a meu pai como um
velho pangaré.
De
fato, ele mantinha tudo em
rédeas. E varria. Varria a casa, varria o quintal, varria a
calçada ... Livre de toda expectativa, voltava-se para si, adonava-se da
própria vida para lhe impor ordem, soberano do instante.
Nos
servimos de café e ele saiu ao quintal, enquanto me intrometia pela casa onde
nascera e vivera até a juventude. Tudo igual, tudo nos mesmos lugares e, na cabeceira,
a foto do casamento com mamãe.
Diante
da solidez do velho, me apequenava a sujeição a horários que constrangem o
cotidiano, mas ele mostrou sua caixa de ferramentas e, como se adivinhasse meus
pensamentos, disse “tudo tem conserto”.
Foi
um alívio. Depois almoçamos e, ao nos despedirmos no final da tarde, vi que a
calçada se sujara novamente. Já longe, acenei a ele, mas não me respondeu:
entretinha-se a varrer, a varrer sem pressa nenhuma.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
O mais curioso é que todos temos a capacidade de trazer o tempo assim, obediente, mas temos o comportamento de manada: corremos para não sei onde, indo buscar não sei o quê. Uma gostosa leitura que me fez lamentar por já ter terminado. É que tinha me esquecido dos sete parágrafos de todas as histórias, Daniel.
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