O amor é rapadura
* Por Fábio de Lima
Algumas frases são estranhas.
Muitas delas parecem escritas para serem colocadas em pára-choque de caminhão.
Mas, às vezes, acho que estranho mesmo é a vida. O mundo é muito estranho. Esse
mundo que gira, gira e gira. São tantas as voltas. Tudo é estranho. E as
pessoas envelhecem. Tudo envelhece até a morte nesse mundo. Nascemos para
envelhecer e morrer. O resto não tem muita importância.
Eles se conheceram num baile para
a melhor idade. Ela com 61 anos e ele com 63. Ambos viúvos e em busca de uma
companhia. A vida não havia sido fácil para nenhum dos dois. Dona Regina
deixara a Bahia com 16 anos. Dos anos 60 para cá sempre trabalhou muito. Como
saiu analfabeta, do nordeste, e nunca estudou depois de chegar em São Paulo,
achou na profissão de doméstica a melhor forma de ganhar seu sustento. Casou
cedo, com 19 anos. Ficou viúva, também cedo, com 25 anos. Não quis casar de
novo e criou, sozinha, um casal de filhos.
Seu Mário nasceu e se criou no
ABC paulista. Filho de sapateiro resolveu, ainda criança, ser sapateiro, igual
ao pai. Nunca foi muito de estudar e só estudou até a 4ª série. Com apenas 18
anos de idade percebeu que não gostava de ser sapateiro e virou metalúrgico.
Casou quando tinha 23 anos. Progrediu na vida. Comprou uma casa, um carro, e
teve uma vida tranqüila, acompanhado de sua esposa e de seus 5 filhos. Foi
feliz até o começo dos anos 80.
Depois foi mandado embora da
metalúrgica e não conseguiu trabalho em outra. Perdeu um filho atropelado.
Perdeu a mulher, vítima de câncer. E
perdeu, também, o encanto pela vida. Passou a beber muito. Vendeu tudo que
tinha. Gastou todo o dinheiro que havia ganhado ao longo da vida e foi morar na
rua, debaixo de viadutos. O tempo passou e a vida se arrastou – e o velho Mário
pensou em desistir, mas teimoso perdurou.
Só que no dia 04 de julho de
1994, segundo marca o verso de uma foto 3x4, a vida desses dois brasileiros –
iguais a tantos outros brasileiros – deu uma reviravolta. Aquele senhor alto,
magro, de bigode aparado e branco – assim como seu cabelo – trombou com aquela
senhora, também magra, de cabelos compridos e vestido florido. Eles estavam num
baile para a melhor idade, no extremo da Zona Sul de São Paulo, e escutavam uma
música, do Zezé Di Camargo e Luciano, chamada “É o amor”.
Dançaram juntos. Deram risadas. Tomaram ponche. Falaram
sobre a vida e sobre os filhos. Concordaram estarem cansados e sozinhos.
Comentaram as saudades dos tempos que eram jovens. Beijaram-se. Foram embora
juntos. Namoraram e casaram na igreja. Viveram juntos e felizes nos últimos 12
anos. Dançaram em muitos outros bailes. Fizeram juras eternas de amor.
Era 30 de julho de 2006. Um
domingo. Noite fria. O relógio da Avenida Ricardo Jafet, Zona Sul de São Paulo,
marcava 23h17. Avistei um carro batido em um poste e muito sangue e vidro pelo
chão. Perguntei ao vigia de um posto de gasolina, de frente ao local do
acidente, o que, exatamente, havia ocorrido. E ele me disse que dois velhos
haviam morrido na batida. Só isso, segundo o vigia.
Então, olhei, atentamente, aquele
carro batido. Havia uma foto 3x4, de um casal de idosos, intacta, colada no
volante do carro. Olhei novamente para o rosto do vigia que mascava chiclete e
com a mão direita coçava a bunda. Pensei que o mundo é muito mais cruel que
aparenta. Pensei também que aquele que tem a pessoa amada ao lado tem sorte.
Nunca entendi a vida, nem a morte!
O amor é doce, mas não é mole
não.
*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser
chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e
é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu
primeiro romance, DOCE DESESPERO.
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