Existência
insensata
* Por Pedro J. Bondaczuk
A insensatez é a tônica do
comportamento humano, o que comprova que ainda temos muito que evoluir para
atingirmos um estágio mínimo de lucidez e de sabedoria. Nossa vida, em maior ou
menor grau (dependendo da capacidade de entendimento de cada um) é
caracterizada (ou porque fomos educados assim ou por mero instinto de
imitação), por ilusões, fantasias e sonhos delirantes e irrealizáveis, com um
ou outro fragmento de realidade.
Abrimos mão da experiência legada
pelos ancestrais e achamos que isso seja progresso, avanço, “modernidade”,
civilização. Não é! Deixamos a vida sadia, pacata e com poucas (ou nenhuma)
tensões do campo, em contato direto com a natureza e a nossa tribo, para
construir feéricas e assustadoras cidades, com populações equivalentes (em
alguns casos) à de países inteiros. A cidade de São Paulo, por exemplo,
sozinha, tem o dobro de habitantes de Portugal inteiro. Essas Babéis
contemporâneas constituem-se em absurdas e insalubres selvas de asfalto e
cimento, nas quais nos digladiamos, ferozmente, em contínua competição, e onde
nos sentimos, paradoxalmente, mais solitários do que nunca.
Despendemos nossos esforços ao
limite da nossa capacidade, investimos nossos melhores talentos e habilidades,
em coisas triviais, sem nenhum valor intrínseco ou importância real, em
detrimento da nossa paz e da nossa felicidade. E chegamos a nos matar por essas
quinquilharias!
Juntar dinheiro tornou-se, para
muitos, obsessão, sem que usufruam das vantagens que a riqueza proporciona,
esquecidos que a morte é a única certeza que há e que a fortuna de nada valerá
quando chegar a hora fatal. E quem não junta, por não ter condições para isso,
coloca a possibilidade de um dia poder juntar (mesmo que remota) como supremo
ideal, grande meta que pretende alcançar.
Insensatez! Pura insensatez!
Trocamos o Deus dos nossos pais (cuja “morte” alguns tolos arrogantes chegaram
a “decretar”, como se isso fosse possível), pelos consultórios cada vez mais
abarrotados de psiquiatras, quando não por salas de adivinhos, de charlatães e
exploradores da ingenuidade alheia de toda a espécie.
Queremos antecipar o futuro (o
que é impossível) para alterar o que sequer aconteceu e pode nunca acontecer
(absurdo)! E quando nos chamam de “alienados”, nos rebelamos e nos sentimos
ofendidos. Mas essa atitude não é uma alienação? Claro que é.
A raiz dos nossos males está em
nossa alma. Está no recalcitrante e pétreo egoísmo que nos move e caracteriza.
Somos incapazes de compreender o quanto isso nos é nocivo. Rav Michael Laitman,
no livro “A revelação da Cabala” (Editora Imago) adverte a propósito: “Na
verdade, o altruísmo não é uma opção. Apenas aparentemente é como se pudéssemos
escolher sermos egoístas ou altruístas. Mas ao examinarmos a Natureza nós perceberemos
que o altruísmo é a mais fundamental lei da natureza”.
Laitman não se limita a constatar
o óbvio, mas exemplifica: “Cada célula em nosso corpo é inerentemente egoísta.
Mas para existirem, precisam renunciar a suas tendências egoístas para causarem
o bem-estar do corpo. A recompensa para cada célula é que ela experimenta não
só sua própria existência, mas a vida de um corpo inteiro”.
Claro que, se isso funciona em
relação a cada célula do nosso corpo, e garante, com essa ação cooperativa,
nossa existência, enquanto organismos íntegros e saudáveis, funcionaria tão
bem, ou melhor, se tivéssemos noção da importância do altruísmo na vida social.
Infelizmente, (ainda) não temos!
Laitman conclui assim suas
reflexões a propósito: “Nós também precisamos desenvolver uma conexão similar
uns com os outros. Assim, quanto mais bem-sucedidos formos ao nos aderirmos uns
aos outros, mais nós sentiremos a existência de Adão em vez de nossa existência
física passageira”.
O homem “ainda” tem conserto?
Tem! Todavia, depende da atitude que vier a assumir no prazo mais curto
possível, no dia de hoje, na hora presente. Rav Michael Laitman só vê um
caminho para emendarmos nossas mazelas e tolices e garantirmos a sobrevivência
da espécie: “Falando diretamente, quando corrigirmos a nós mesmos do egoísmo
para o altruísmo, tudo o mais será corrigido também – a ecologia, a miséria, a
guerra e a sociedade...”
Não vale a pena tentar? Claro que
vale! Resta saber se ainda haverá tempo, antes que o homem se destrua e arrase
o planeta que lhe dá condições de vida e sustentação (está perigosamente a
caminho disso e parece sequer ter se dado conta). Insensatos, é o que na
verdade somos! Insensatos e arrogantes, travestidos de “civilizados”.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Boa comparação. Já questionei a burrice do câncer que destrói o organismo que o sustenta e assim desaparece também. A nossa sociedade está tão depauperada pelo egoísmo, que fato semelhante se dá. Em vez de zelar pelo conjunto que nos mantém, cada um pensa em si somente e com isso morremos todos.
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