Momentos de êxtase
* Por Pedro J. Bondaczuk
O
filósofo norte-americano Will Durant afirmou que "a experiência (uma longa
série de sensações) nos ensinou que um momento de êxtase vale por um ano de
raciocínio". E vale mesmo. Trata-se da exacerbação dos sentidos, de algo
tão intenso que pode até matar (de prazer). Ou santificar uma pessoa. Ou
tirá-la para sempre da realidade. Ou torná-la poeta...
A
beleza tem este dom de nos enlevar, de nos conduzir à sensação das sensações,
de nos proporcionar o máximo do prazer, de nos conduzir à beira da loucura, no
sentido da perda de contato com o que é real. O poeta Wallace Stevens afirma,
no poema "Deve ser Abstrata - parte III":
"O
poema vivifica a vida, e nos permite
por
um momento ter a idéia primeira...
Satisfaz
a fé num princípio imaculado".
Guilhermino
César é mais direto, nestes versos:
"Quero
a Terra de todo dia,
com
mil pupilas centradas
em
pudores ocultos. Quero
uma
Terra azul cheia de andorinhas,
de
nuvens baixas (para cavalgar), de atalhos,
aonde
ir, envergonhado, buscar o lume".
Êxtase,
por exemplo, é como aquilo que sentimos durante uma relação sexual
satisfatória, em que dois corpos comungam com absoluta harmonia. Mas vai muito
além. Trata-se de sensação ligeiramente parecida, mas muito mais profunda, mais
intensa e mais inesquecível.
Para
atingi-la, requer-se uma postura positiva face ao mundo. O êxtase, esta suprema
alegria, não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas),
através da mortificação, do sacrifício, das privações ou da angústia.
Não
é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora
exista um produto com este nome, vendido quase que livremente, que promete
irresponsavelmente conduzir seus usuários ao "paraíso".
Dinheiro
algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é a
culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no
dia-a-dia e que se somam até se transformar em algo maiúsculo, grandioso,
inesquecível.
No
meu caso, atinjo-o em situações bastante comuns. Chego a ele quando consigo
produzir um texto perfeito, em sua construção formal, nas idéias transmitidas,
e na simplicidade por exemplo. Quando chego ao coração alheio e me faço
compreendido. Quando recebo reciprocidade pelo amor que sinto. Quando levo
consolo e esperança a quem precise. Quando me sinto útil e sou importante pela
capacidade de servir. Quando transmito confiança e consigo orientar os outros.
Embora profissional do texto, que é o meu ganha pão, escrevo não com vaidade,
nem com raiva, ou mecanicamente. Faço-o com alegria.
Gosto
do que faço e não troco essa satisfação tão simples por nenhuma outra das
tantas que as pessoas procuram. Pouco importam minhas privações materiais se
preencho minha vida de beleza. Nenhum sofrimento me abala se me alimento de
poesia.
Enquanto
a maioria dos escritores tem como matéria-prima os becos escuros da alma, os
sentimentos trágicos, os acontecimentos tétricos, os instintos selvagens ou os
atos primitivos, prefiro concentrar-me no lado belo da existência.
Gosto
de tratar de emoções simples. A beleza está na simplicidade. Dizem que a
felicidade é sem graça e não se presta à literatura. Puro engano. A morte,
embora me atemorize, é que não me fascina. A violência, em todas as suas formas
e manifestações, me causa repugnância.
Amo
a beleza, a solidariedade, a delicadeza. E, como ressalta Pablo Neruda no livro
"Confesso que vivi", "a poesia é sempre um ato de paz. O poeta
nasce da paz como o pão nasce da farinha. Os incendiários, os guerreiros, os
lobos buscam o poeta para queimá-lo, para matá-lo, para mordê-lo. Um espadachim
deixou Pushkin ferido de morte entre as árvores de um parque sombrio. Os
cavalos de pólvora galoparam enlouquecidos sobre o corpo sem vida de Pettofi.
Lutando contra a guerra morreu Byron na Grécia. Os fascistas espanhóis
iniciaram a guerra na Espanha assassinando seu melhor poeta".
Sigo
a recomendação do pensador budista japonês, Daisaku Ikeda, que ao comentar a
responsabilidade social que o escritor tem perante seu público, como orientador
de comportamentos, dá a entender que ninguém sai lucrando com a exploração das
misérias humanas. Que se deliciar com a desgraça de personagens lançados de
ponta-cabeça no inferno dos seus vícios, neuroses e loucuras, é um desvio
doentio de personalidade.
Não
vejo arte alguma na banalização da morte. Não vislumbro nada de estético na
apologia do assassinato feita especialmente pelo cinema, mas também explorada
em romances, contos e novelas. Não identifico qualquer heroísmo na supressão de
vidas alheias, seja qual for o pretexto, mesmo que em simples enredos de
ficção.
Parodiando
Wallace Stevens, no poema "Treze maneiras de olhar para um melro, parte
III", também afirmo, como ele:
"não
sei se prefiro
a
beleza das inflexões
ou
das insinuações,
o
assovio do melro
ou
o instante depois..."
Somente
um louco sanguinário consegue atingir o êxtase diante da morte. Apenas um
sádico perverso aprecia o sofrimento, físico ou moral, de quem quer que seja.
Amo a vida, a beleza e a alegria. Não descrevo sonhos, deliro... Sou poeta!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador”
– http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Lembrei-me do poema musicada Brejo da Cruz, de Chico Buarque. Entendi errado? Veja a letra abaixo:
ResponderExcluirBrejo da Cruz
Chico Buarque
A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas-noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz