Um príncipe no reveillon de
Copacabana
Por Daniel Santos
Há
nas festas de fim de ano uma expectativa de que algo de novo acontecerá e, no
revéillon do ano 2000, talvez por esgotar-se o século, ou porque o milênio se
finava, quem sabe por assim decidirem marketing/mídia, essa ansiedade
potencializou-se como nunca antes.
Sozinho
em casa e decidido a não me deixar impressionar com tanta alegria boba, liguei
a tevê para assistir um filme, mas as câmeras voltavam-se para os festejos.
Aferrei-me, então, a um livro, mas os fogos chegavam á minha janela para
alardear a nova era. Estava cercado!
Me
queriam na praia, não era isso? Vesti bermuda, camiseta e tênis (carioca é
super à vontade!) e me mandei para Copacabana. No calçadão da Atlântica,
respirei o alto-astral daquela festa, mas algo ali me incomodou: um solitário
gari varria papéis atirados do alto dos prédios.
Por
que varrer o que só deixaria de cair depois da meia-noite? Olhei interrogativo
para o gari, e ele “hoje termina tudo, né?” e eu “termina o quê?” e ele “o
século, o milênio” e eu “não, isso é jogada do comércio, o final será daqui a
um ano”. Surpreso, aliviado, sua reação me surpreendeu.
Ao
saber que faltava ainda um ano para o término dos prazos (de todos os prazos),
largou a vassoura e, chorando convulsivamente como criança desamparada, me
abraçou com a cara enfiada em meu peito. Abracei-o também e bastou: solidão e
angústia afastaram-se dali.
Quando
dei por mim, começava o espetáculo dos fogos de artifício, mas a clareira à
nossa volta queria saber apenas de nós dois e, aí, uma dessas morenas de parar
o comércio aproximou-se, pegou a cabeça do gari entre as mãos, beijou-lhe a
testa e ... adivinha ... ele virou príncipe!
Entusiasmado,
cegado pelas luzes multicoloridas que tingiam o céu, meteu-se num “trenzinho”
que o povo formara para dançar na avenida. Ainda tentou se despedir de mim, mas
tragou-o a multidão em
festa. Na minha camiseta, a umidade das suas lágrimas sobre a
frase “Feliz 2000” .
* Jornalista carioca.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São
Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de
"O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995,
Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002,
Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca
Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
O que não faz o medo!
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