domingo, 3 de maio de 2009




Se a moda pega...


* Por Sílvio Tendler


A atitude do presidente da Venezuela, Hugo Chavez, presenteando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, abre um precedente fantástico na batalha pela circulação das idéias nas Américas. O livro de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina, além de magistralmente escrito, é um documento fundamental sobre o processo de colonização das Américas. Gesto inteligente que, repetido, levará o presidente norte-americano a ser o maior colecionador do pensamento latino-americano.

Podemos nos apresentar com Euclides da Cunha, Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Josué de Castro, Sergio Buarque de Hollanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, entre muitos outros...

Se fosse o Presidente Lula, para comemorar os cem dias do governo de Obama, daria de presente um kit Milton Santos composto pelo livro “Por uma outra Globalização” e o filme “Encontro com Milton Santos ou O mundo Global Visto do Lado de Cá”.

A eleição de Obama surpreendeu o mundo. Há alguns anos já antevíamos um negro ou hispânico na presidência dos Estados Unidos. Na época, o que nossa imaginação permitia prever seria uma solução do gênero Collin Powell. Um general, homem do complexo industrial-militar que comandou as tropas americanas na invasão do Iraque promovida por Bush-pai. Alguém comprometido mais com o establishment do que com mudanças.

O lado outsider do Presidente norte-americano estabelece uma ponte com o nosso professor Milton Santos, um bahiano atrevido que se tornou um dos mais importantes intelectuais de nosso tempo. Milton Santos revolucionou a geografia e estabeleceu prognósticos imbatíveis a respeito do processo de globalização. O Professor anunciou que as mudanças viriam do mundo periférico tal e qual está ocorrendo hoje.

Na agenda do Presidente Obama está uma reorientação das relações com os países de economia emergentes, eufemismo chique para definir os países do Terceiro Mundo. Milton Santos trata profundamente dessa questão e a crise atual provocada pelo mercado financeiro, está lá, como prognóstico, no livro e no filme. Milton Santos contradiz já nos anos 90 o dogma do pensamento único.

Infelizmente, o Professor não viveu o suficiente para conhecer a “Era Obama”.

O Presidente e o Professor, movidos por comportamentos absolutamente cosmopolitas, não fizeram de sua condição racial trampolim para o sucesso, não se fecharam em guetos.

Milton Santos, perguntado sobre o que pensava da moda que chegava dos Estados Unidos, da identidade como afro-descendente respondeu: “Só o meu susto. Quero ser um brasileiro como outro qualquer”. Defendia nossa miscigenação, nosso melting pot.

O Presidente Obama gostará muito de conhecer o pensamento de Milton Santos sobre a globalização, formulado quando o mundo ainda vivia governado pelo mercado de capitais.

O livro e o filme anunciam de forma espetacularmente premonitória tudo o que está acontecendo no mundo hoje.

Já vejo o Presidente norte-americano passeando mundo afora, portando embaixo do braço o kit Milton Santos, dizendo: “Quem quiser entender o mundo em que vivemos, não pode abrir mão de conhecer o pensamento do professor Milton Santos. Foi o Lula, do Brasil, quem me presenteou” . À boca pequena alguém dirá: “Se o George W. tivesse visto o filme e lido o livro não teria feito metade das bobagens que fez. O Brown, a Merkel, o Sarkozy têm que conhecer”.

Autor de cerca de quarenta livros e Doutor Honoris Causa por 25 universidades, Milton Santos sabia do que estava falando. É ler e ver para crer.

* Produtor, diretor e documentarista, conhecido como "o cieneasta dos vencidos" ou "dos sonhos interrompidos", por abordar em seus filmes personalidades como João Goulart, JK e Carlos Marighella, entre outras. Trata-se, porém, de um humanista, que já produziu cerca de 40 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. Os mais conhecidos são: "Os anos JK - uma trajetória política", "O mundo mágico dos Trapalhões", "Jango" e "Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de lá".

Um comentário:

  1. Lendo Milton Santos, Obama sairá da leitura padrão, o que enriquecerá a discussão.

    ResponderExcluir