sexta-feira, 1 de maio de 2009




14 Bis

* Por Urariano Mota


Matilde era minha vizinha. Ela devia ter catorze anos. Carregarei até o fim dos meus dias a covardia de não tê-la fodido.

No dia em que Matilde veio à minha casa, a pretexto de encontrar a minha mãe, certamente ela já sabia que minha mãe não estava. Antes que eu me preparasse para mais uma vez abraçá-la num assalto, ela se dirigiu ao quintal e, sentada num batente, pôs-se a pintar as unhas dos pés. Não lembro, vejo. Matilde dobrou um joelho, levou-o à altura dos seios, e nele apoiou o seu queixo. O outro joelho desceu lento, a saia abrindo-se como cortina. Eu ia me aproximar, mas a meio caminho deixei meu corpo cair sentado em uma cadeira da sala. Matilde se achava a uns três metros à minha frente. O que mais me punçava era saber que ela, enquanto lixava as unhas, me via. As mocinhas não usavam então calcinhas justas.

Então eu vi. Entrevi. Ardor, eu bem queria o teu tormento com a serenidade que hoje me envolve. Entrevi: a boceta de Matilde desvendou-se peluda, fresca, afirmativa, em pêlos, que desciam no espaço livre de sua coxa. Pêlos castanhos, lindos. Um convite, um gentil convite, um chamamento, uma ordem à ruptura.

Por que não acalmei os seus tufos rebeldes, acalmando-me também na sua calma? Por que não fodi Matilde, não a fodi como era necessário e imperioso a mim, a meus desejos, e a ela, e à sua vontade? Rapazinho medroso, sensato, sensato como os medrosos, eu só via a ruptura como uma queda no abismo. Eu não via na ruptura o assalto e posse do destino.

Mas ela possuiu lá a sua culpa. Por que não me convidou para ajudá-la, tocá-la, enquanto pintava as unhas? Eu sei. É que no seu convite residia também a esquiva da ruptura. Mostrou só o abismo, tão inocente, que infernalmente me chamava: “Lança-te daqui abaixo. Dou-te o poder de tudo isto, e a glória, porque isto me foi dado, e eu dou-o a quem eu desejar. Lança-te daqui abaixo. Vem, converte estes pêlos em alimento. São queimados e estorricados como nunca mais os verás. Lança-te”. E abria, generosamente, o convite.

A mim e a nenhum homem, a nenhum filho de Deus foi dado o poder de passar por um momento e saber que este momento que não se desfruta está perdido. No ato do instante adiamos o seu gozo, como se eternamente desfrutável. Como era bom se pudesse voltar o beijo que não demos. O carinho que represamos. A ternura guardada se a pudéssemos hoje liberar, como era bom. “O sal é bom. Porém se o sal perder a força, com que se há de temperar?” .

* Escritor e jornalista

5 comentários:

  1. Quem não teve a sua Matilde, não é mesmo? Quem já não experimentou a "covardia dos sensatos"? Passam os anos e não nos perdoamos! - uma maneira, talvez, de preservarmos a memória do sal e do seu tempero, de quando a língua se deixava calcinar nos seus cristais. "Entrevi: a boceta de Matilde desvendou-se ..." Quase obscena, altamente tesuda, a frase dá o tom dos verdes anos, quando ainda havia tempo. Para tudo! De toda forma, compensa relembrar o sal para que nunca perca a sua força, pois, parece, isso move a tua viril literatura, caro Urariano. Que conto magnífico! A sensualidade não perturba mais, pq contida num dizer poético próprio mesmo a um bardo. PARABÉNS!!!

    ResponderExcluir
  2. Que sensualidade! Amei, Urariano! Erotismo na medida certa, e sabemos o quanto é difícil caminhar por este fio da navalha, manter o equilíbrio e não deixar que o texto resvale para o pornográfico. Texto para se guardar.Poesia pura.
    Abraços
    Risomar

    ResponderExcluir
  3. Ainda bem que não é o bolo não comido o mais gostoso, mas a nossa fantasia diz que sim. O tempero do não alcançado seguramente é o mais intenso, especialmente para os meninos mal entrados na puberdade. O ardor da sensação não experimentada terá sempre o mais doce ardor/sabor. Tantos outros foram sentidos, mas este ficou eterno. Linda descrição de um desejo insatisfeito. Belo e excitante!

    ResponderExcluir
  4. Voltando ao conto. A ilustração, muito boa. Mas o título, a que se deve? Ao primeiro vôo, certamente. E, se assim é, que grande achado!

    ResponderExcluir
  5. Agradeço a leitura e comentários de liriodoprado, Daniel e Mara. Estive em dúvida até o último instante (para não dizer que estou até agora), se deveria ou não enviar o texto.
    O título, 14 bis, jogou também com o sentido de voltar aos 14 anos. Perdoem por favor a demora da resposta.
    Abraços.

    ResponderExcluir