Explosão de luz
* Por Pedro J. Bondaczuk
A
arte precisa ser instintiva, natural, selvagem e espontânea na sua
concepção (claro que não na técnica) para merecer essa
designação. Trata-se da única forma de sermos autênticos, sem
representações e nem dissimulações. É a nossa carta de alforria,
nossa absoluta e irrestrita liberdade. Ninguém é forçado a ser
artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha
pessoal. Ou se é ou não se é. É o modo de que cada um dispõe
para ser livre, para impor sua personalidade, para deixar sua marca
no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir vai
depender de critérios subjetivos de apreciação e de avaliação
dos destinatários das obras produzidas. A arte, contudo, é o nosso
"ADN"! É o nosso ser! É a nossa vez! É a nossa voz...e
única…
Todos
somos artistas potenciais, embora muitas vezes não pareça que seja
assim. Ocorre que alguns (senão a maioria) sufocam esse pendor
natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais
“importantes”, mais "sérias" e que, na verdade, quando
submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas,
triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá
dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele
verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência. É
a linguagem “dos anjos”, de que nos fala São Paulo, em uma de
suas inspiradas cartas apostólicas.
A
principal característica dos bons escritores (a arte que abracei) é
a sua capacidade de observação. Ou seja, é o talento, desenvolvido
com a prática e a disciplina, para captar todas as nuances da
realidade e fazer delas matérias-primas de suas obras (poesia,
conto, romance, crônica, não importa), conferindo-lhes a desejável
verossimilhança.
Claro
que o escritor deve dominar o idioma (exigência mínima, lógica,
básica, óbvia e até primária), além de ser emérito comunicador.
Tem que ser, sobretudo claro e inteligível, se possível para
qualquer pessoa, mesmo que esta não tenha qualquer cultura. Quem
escreve complicado é porque não tem, de fato, o que dizer. A beleza
e a simplicidade andam sempre de mãos dadas.
Paulo
Mendes Campos constatou que “o escritor, ao contrário da
caneta-tinteiro, carrega-se devagar e se esvazia depressa”. Ou
seja, despende muito mais tempo no estudo, na pesquisa, na
observação, de tudo e de todos que o cercam, do que na redação
dos seus textos, que fluem (se de fato tiver competência para a
atividade) espontâneos e inteligíveis, sem maiores esforços.
Só
a arte tem o condão de revelar a genuína grandeza do ser humano (em
termos potenciais), a transcendência da vida e a beleza em toda a
sua majestade e magnitude. Por meio dela, com a sua linguagem
simbólica, realçada pelo talento, é que expressamos, sem enganos,
dissimulações ou temores, os grandiosos ideais, tanto os
individuais, quanto os coletivos (os da humanidade), esquecidos no
dia a dia. Aqueles mesmos que nos empolgaram um dia, na juventude,
mas que, na luta feroz do cotidiano, pelo pão nosso de cada dia, na
batalha inglória pela sobrevivência, deixamos, pouco a pouco, se
esvair e se perder no meio do caminho, em algum segmento do tempo.
Perguntam-me,
amiúde, qual é minha fonte de inspiração. Ela é, confesso, a
natural. É espontânea e, felizmente, frequente. Gosto de dias
quentes e ensolarados, de céu completamente azul, e cheios de luz.
Um cenário radioso, como esse, faz com que eu releve meus problemas
e os coloque em suas mesquinhas dimensões, para valorizar a vida no
que ela tem de belo, transcendente e único. Ela é a matéria-prima
dos textos que produzo.
Não
nascemos, convenhamos, para desperdiçar nossas melhores energias com
isso que aí está. Ou seja, com a luta mesquinha e desesperada por
bens materiais que nada nos acrescentam, em detrimento do que nos é
oferecido de graça pela natureza. Temos uma oportunidade única, que
é o privilégio de viver, à qual não damos o devido valor.
Transformamos, com nossa cobiça e intolerância, o paraíso num
inferno.
Marc
Chagall confessou, certa feita: “Em Paris a luz explodiu em mim
como uma centelha de liberdade, de revolução”. Essa luz, essa
centelha de liberdade e de revolução, essa veneração pela beleza
explode em meu peito todas as manhãs, ao meu redor e ao redor de
todas as pessoas que, no entanto, raramente se dão conta desse
privilégio. Veem mas não enxergam. Apostam na infelicidade e
acabam, de fato, infelizes.
Uma
das minhas maiores satisfações, físicas e espirituais, é o
contato com a natureza. É, por exemplo, um passeio despreocupado por
um bosque, com todos os sentidos alertas, usufruindo o aroma das
flores, o canto dos pássaros, o frescor da sombra e o sabor exótico
dos frutos silvestres. Ou é a caminhada preguiçosa e sem rumo por
um jardim florido, com a explosão de cores, em cada canteiro, ao meu
redor. Essa é a minha fonte de inspiração.
Claro
que aquilo que tenho para expressar está em mim, adormecido no fundo
da memória, pronto para ser despertado. E é a beleza o despertador
da minha sensibilidade. Concordo com Le Corbusier quando diz: “A
poesia está no coração dos homens; por isso, é preciso se abrir
para as alegrias da natureza”. Temos que cuidar dela. Infelizmente,
quase nunca fazemos isso. A natureza é, cada vez mais e há tanto
tempo, extremamente agredida e muito judiada pela insensatez e pela
cobiça dos estúpidos! Somos, porém, suas partes integrantes.
Procedemos dela e a ela retornaremos.
Sem
a natureza (se isso fosse possível), ou com ela devastada (o que
ocorre há tanto tempo), certamente não sobreviveríamos (e não
sobreviveremos). Morreríamos sufocados, esturricados e de inanição!
Seria nossa inexorável extinção, tanto a física, quanto a
espiritual (ambas, claro, definitivas). E, neste último caso,
perderíamos o que de mais nobre e elevado temos e raramente
exercitamos. Ou seja, a fome imensa, permanente e insaciável de
beleza. Esta é a morte que luto, com todas as forças, para evitar!
Daí apostar todas as “fichas” que a vida me deu na arte!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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