Os
interesses populares, os do “mercado”
e a Bolsa de Valores
*
Por Ricardo Alvarez
Róber
Iturriet Avila –
O discurso do que é bom para a “economia” e para o “mercado”
é travestido de “interesse geral”, quando, na verdade, é o
interesse específico da minoria rica do país que vive de aplicações
financeiras.
Em
tempo de disputa política eleitoral, as narrativas do “interesse
geral” são explicitadas nas manchetes. O “mercado” tem suas
preferências, o qual é traduzido como sintoma da “economia”.
O que seria bom para a “economia”? Impõe-se a clarificação
de tais conceitos.
Nosso
sistema é de economia de mercado: capitalismo. A “economia”
envolve preços, lucros, salários, juros, renda, produção, taxa
de câmbio, déficit, superávit, exportação, importação etc. O
“mercado” é a instituição em que se articulam os negócios.
As relações de oferta e de demanda, os preços, a produção, o
consumo, são relações de mercado. Há reconhecidamente, nestas
relações, interesses contraditórios. Seja quando se analisa pela
ótica consumidor/produtor, seja quando se analisa pela ótica
trabalhador/empresário.
Entretanto,
no discurso comum, a referência ao “mercado” e à “economia”
é traduzida como o índice da Bolsa de Valores de São Paulo e a
preferência dos investidores no sistema financeiro. O interesse
manifesto, nesse caso, é daqueles que vivem de aplicações
financeiras, ou seja, de sua propriedade, os rentistas, e também o
interesse daqueles que vivem de lucros, os empresários (setor
produtivo). Geralmente o que se transmite como o “mercado” é
na verdade o “mercado financeiro”.
Há
um relativo consenso de que é de “interesse geral” a elevação
da atividade econômica, pois ela gera lucros, salários, empregos,
juros, impostos, consumo etc. Não é possível ignorar,
entretanto, que nos interesses da “economia” há contradições.
Autores
de matriz liberal, como o clássico David Ricardo, reconhecem que
“aquilo que se pagasse como salário teria a máxima importância
em relação aos lucros, pois, evidentemente, estes últimos seriam
altos ou baixos, exatamente na proporção em que os primeiros
fossem baixos ou altos” (RICARDO, 1996, p.33). “Todo aumento de
salários — ou, o que é a mesma coisa, toda queda nos lucros
[…]” (RICARDO, 1996, p.41). Em assim sendo, nem sempre os
interesses são convergentes. A elevação do nível de salários
interessa a quem recebe salário, mas não a quem o paga.
A
expressão desta contradição é mensurada pelas contas nacionais.
A proporção de lucros e salários no PIB é simétrica, conforme
expressa o gráfico abaixo. Claramente, há períodos em que a
participação dos salários cai e, simetricamente, a dos lucros
sobe, sendo o inverso verdadeiro.
Neste
sentido, é de interesse daqueles que pagam os salários e obtêm
lucros que os primeiros caiam. Dito de outra maneira, eles desejam a
redução dos custos empresariais. Não apenas via salários, mas
também via tributos, os quais financiam serviços públicos que
distribuem renda de forma indireta, tais como educação, saúde,
previdência, assistência social, políticas de moradia. Mesmo que
no Brasil a arrecadação de impostos seja regressiva, seus gastos,
sabidamente, distribuem renda.
O
Gráfico 2 demonstra que os gastos em saúde, educação, previdência
social, programa bolsa família e benefício de prestação
continuada reduzem a desigualdade e auxiliam na elevação do PIB. Já
os gastos em juros da dívida pública ampliam a desigualdade.
Nessa
medida, aqueles que não utilizam os serviços públicos, não têm
interesse em gastos nos serviços sociais. É de interesse daqueles
que vivem de lucros e da rentabilidade financeira que os salários
não se elevem e que os gastos públicos caiam, assim, os tributos e
custos empresariais poderão também cair.
A
agenda econômica e política do “mercado” (financeiro) é,
portanto, a da redução dos serviços públicos, da flexibilização
da legislação trabalhista, da reforma da previdência, da
privatização dos serviços públicos, em uma palavra: da
liberalização.
Os
interesses do “mercado” (financeiro) são então contraditórios
aos interesses daqueles que vivem de seu trabalho, daqueles que
procuram trabalho, daqueles que utilizam os serviços públicos e
também daqueles que não possuem riqueza acumulada, ou seja, da
esmagadora maioria da população brasileira.
O
discurso do que é bom para a “economia” e para o “mercado” é
travestido de “interesse geral”, quando na verdade, é o
interesse específico da minoria rica do país que vive de aplicações
financeiras e, muitos deles, não trabalham e possuem riqueza
herdada. O mercado financeiro e a imprensa brasileira auxiliam a
narrar os interesses específicos da minoria rica como sendo os
interesses gerais e como aquilo que é bom para a “economia”.
Dominam o discurso comum expressando sua vontade como a vontade da
nação.
Referências:
CASTRO,
Jorge Abrahão. Política social no Brasil: distribuição de renda e
crescimento econômico. In: ANFIP; FENAFISCO. A
reforma tributária necessária:
diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP, FENAFISCO; São Paulo:
Plataforma Política Social, 2018.
RICARDO,
David. Princípios
de economia política e tributação.
São Paulo: Nova Cultural, 1996.
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Professor,
mestre em geografia urbana pela USP e criador do site Controvérsia e
escreve semanalmente.
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