Boa arte é intemporal
O
critério para avaliação de uma obra de arte é (e sempre deve ser)
a qualidade técnica, criatividade, correção, pertinência,
originalidade etc. e jamais a época em que foi elaborada.
Os
quadros de um Rembrandt, de um Rubens ou de um Rafael, entre outros
mestres da pintura, parecem ter sido pintados ontem, tal sua perícia
e oportunidade e não há já alguns séculos, como de fato foram.
Assim são as sinfonias de Beethoven, os acordes de Chopin, a
grandeza melódica de Johann Sebastian Bach ou a genialidade musical
de Mozart. E as esculturas (por que não?), de Auguste Rodin ou de
Victor Brecheret.
Querer
datar obras de arte, e atribuir-lhes valor apenas pela época em que
foram elaboradas, é não entender nada do riscado. Infelizmente,
porém, muita gente é assim. Age como se todos os artistas de hoje
fossem gênios, e os do passado, rematados imbecis.
São
os tais adeptos dos modismos e de uma pretensa modernidade, que na
verdade nem têm. São arcaicos, antiquados e (cabe aqui um
superlativo) antiquadíssimos até em seus gostos e critérios. No
passado, muita gente também agiu assim. Portanto, também nesse
aspecto, não há “nada de novo no front”. Ou seja, nem nisso são
originais.
Acordei,
dia desses, com determinada música no ouvido, que insistia em vir à
memória com força, o dia todo, sem parar. Não se tratava de nenhum
rock, ou aché ou algum desses tantos ritmos exóticos (quando não
ridículos) e caricatos da moda. Era melodia antiga, antiqüíssima,
de 1951, quando eu era um menino de oito anos de idade, com a cabeça
cheia de sonhos e o coração repleto de poesia.
Aos
poucos, também a letra foi desfilando, nítida, completa, inteira,
na memória, como se eu a tivesse ouvido na véspera. Tratava-se de
um baião, mas não de Luiz Gonzaga, como poderia se pensar, mas de
Hervê Cordovil, e que fez estrondoso sucesso na época, gravado por
um monte de cantores (não mencionarei nenhum, para não cometer
injustiças). Ouvi-a uma quantidade de vezes sem fim no rádio e
nunca me enjoei dessa música.
A
letra, em sua singeleza e brejeirice, é um delicado poema de amor,
delicioso para os ouvidos de quem, como eu, ama profundamente a
poesia. Não tem, como as de hoje, nenhuma alusão escatológica, que
deixe nem que remotamente implícito (como as atuais deixam) que o
amor não passa de mera relação sexual. Passa, evidentemente. É
muito mais do que isso!!! Pobre de quem não tem esse entendimento. E
são muitos que não o têm, creiam-me!!!
Sintam
o lirismo, o encanto, a brejeirice e o frescor da letra do baião
“Esta noite serenou”:
“Morena
quem te contou
que
esta noite serenou?
Eu,
deitado no teu colo,
sereno
não me molhou.
Se
caísse chuva forte, morena,
eu
talvez não sentiria.
Teu
amor é uma guarita, morena,
onde
eu me esconderia.
Tão
bom, tão bom, tão bom.
Se
fizesse muito frio, morena,
eu
talvez não sentiria.
Eu
deitado no teu colo, morena,
teu
amor me aqueceria,
tão
bom, tão bom, tão bom”.
Como
se vê, é uma letra simples, sem pirotecnias verbais, sem metáforas
esquisitas e sem sugestões escatológicas. Dei-a para um amigo,
poeta consagrado, ler, sem dizer do que se tratava, e ele ficou
maluco com tanta beleza. E ficou admiradíssimo quando lhe disse que
se tratava de letra de um baião.
Prometo,
solenemente, que, tratarei deste ritmo, que já foi tão popular,
país afora (e não apenas no Nordeste, de onde é originário) e que
hoje, por conta dessa baboseira de “modernidade”, anda um tanto
esquecido, oportunamente.
Quem
não se lembra desta vertente musical, não sabe o que está
perdendo. Pelo menos tem melodia, harmonia e balanço (além de
letras que fazem sentido e têm mensagens), ao contrário de muito
rock bate-estaca que há por aí, com letras em inglês, que as
pessoas papagueiam e de forma ridícula e absurda e errada, sem que
tenham a mínima, a mais ligeira noção do que significam.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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