Amor que morre
O
amor sempre foi, é e será um mistério insondável para os que
tiveram a ventura de passar por essa experiência marcante, a mais
profunda e compensadora da nossa vida. A imensa maioria de escritores
que escreveram sobre ele (entre os quais, me incluo) não entende
patavina nem sobre como ele nasce, nem porque sobrevive a tantos
abalos e intempéries e muito menos porque finda por morrer. Há,
ainda, quem assegure que o amor verdadeiro é eterno. Bobagem. Chega
a ser ridículo falar em eternidade tendo em conta o ser humano, tão
efêmero e com um tempo de vida tão breve.
Quem
nunca passou por essa experiência transcendental de amar, não tem
(e nem pode ter) a menor noção da sua intensidade e transcendência.
Às vezes convivemos anos com uma pessoa do outro sexo, pela qual não
sentimos nada de especial e com quem, não raro, até brigamos
continuamente, achando, até, que a detestamos. Lá um belo dia,
porém, sem nenhum aviso ou explicação, nos sentimos
irresistivelmente atraídos por esse alguém, a ponto de o
considerarmos o centro e a razão de nossas vidas. E, de fato, se
torna. Muitos certamente dirão que já escrevi estas mesmíssimas
palavras em outros textos sobre o assunto. Escrevi mesmo. Mas... por
que o espanto, se não mudei de opinião?
Caso
haja correspondência no amor que sentimos por determinada pessoa,
vivemos, então, momentos simultâneos de delírio e de sofrimento
inigualáveis, que nenhum outro tipo de sentimento provoca. Mesmo que
não correspondidos, no entanto, essa emoção ímpar, brotada,
literalmente, do nada, marca nossas vidas para sempre.
Mas
o amor é caprichoso e não raro injusto. Idealizamos uma parceira
perfeita, que satisfaça todas as nossas expectativas físicas e
emocionais. Quase sempre, porém, na convivência real, na maçante
rotina do dia a dia, caso os dois parceiros não continuem
alimentando, mutuamente, a fantasia da perfeição que os atraiu e
ligou, os defeitos reais de ambos se tornam visíveis e, às vezes,
insuportáveis. O encantamento inicial cede lugar ao tédio e à
decepção. E, se não forem tolerados por uma das partes, ou por
ambas, o afeto mútuo que os atraía, e que julgavam que seria
eterno, sofre morte súbita.
Para
falar de amor trago à baila, mais uma vez, Nelson Rodrigues,
notadamente a última crônica que escreveu, datada de 22 de dezembro
de 1980. Na mesma página do jornal Folha de S. Paulo em que ela foi
publicada, a manchete que a encimava anunciava a morte do autor.
Dizia, simplesmente, para pasmo dos leitores e dos seus milhões de
admiradores Brasil afora (entre os quais sempre me incluí, mesmo não
concordando com a maioria das suas ideias): “Morre Nelson
Rodrigues”. Ironicamente, o próprio título da crônica remetia ao
assunto “morte”. Não a de alguém, mas de algo tão precioso
quanto: o amor. Intitulava-se “Amor que morre”.
Quem
conhece a obra literária, sobretudo a dramática, voltada para o
teatro e o cinema, do “anjo pornográfico” e não teve o
privilégio de ler suas crônicas, certamente está me chamando, a
esta altura, de maluco ou, no mínimo, de incoerente. Por que? Ora,
ora, ora, é óbvio. Por acharem que Nelson Rodrigues não acreditava
no amor e o encarava de forma cínica e escrachada, como mero jogo de
interesses. Estão errados, erradíssimos. São sumamente mal
informados. Quem lê o segundo parágrafo da referida crônica, mas
não lê o restante do texto, pode até ser induzido a achar que tem
razão e que eu sou mesmo um cara fora da realidade.
Nelson
diz nesse trecho:^”Eis a verdade: o amor que morre não deixa
nenhuma nostalgia, e eu diria mesmo, não deixa nada. Ou por outra:
deixa o tédio. O que nos fica dos amores possuídos e passados é
simplesmente o tédio, talvez o ressentimento, talvez o ódio.
Abominamos o ex-ser amado. Intimamente nós o acusamos de ter
destruído o nosso sonho. E vamos e venhamos: que coisa atroz é o
amor que deixou de sê-lo”.
Diga-se
de passagem que, muita gente fracassa no amor pelo simples fato de
não saber amar. Confunde esse nobilíssimo sentimento, que só é
genuíno se espontâneo, com a ideia de posse, de imposição das
próprias vontades e da consequente submissão da pessoa amada. Claro
que um relacionamento desse tipo já nasce doentio e distorcido e só
pode resultar em fracasso. Mesmo que originalmente haja amor entre os
que se relacionam dessa forma viciosa e equivocada, este, em pouco
tempo, se esvai, em decorrência da coação de uma das partes.
Ocorre que seres humanos são livres e não são (e nem podem ser
jamais) “propriedades” de ninguém. Cada pessoa é senhora da
própria vontade, que tem que ser respeitada às últimas
conseqüências. Artur da Távola explica, para os insensatos que não
sabem amar, que “o amor é um exercício de felicidade, não de
poder”. Implica, sempre, em absoluta igualdade entre os parceiros,
em tudo e por tudo.
A
abertura do terceiro parágrafo da última crônica escrita por
Nelson Rodrigues, horas antes da morte, porém, justifica porque
tenho razão em apontá-lo como mestre nesta arte e ciência da qual
a maioria de nós é analfabeta: a de amar. E porque meus eventuais
críticos, que certamente não tiveram o privilégio de ler este
magnífico texto (ou se o fizeram, não prestaram a devida atenção
e não entenderam bulhufas da mensagem transmitida), estão tão
profundamente equivocados. O magistral dramaturgo escreve: “Eu
diria, ainda, que a morte de um amor é pior do que a morte pessoal
e física. Só uma coisa espanta: que se possa sobreviver a um amor”.
O
amor que consegue sobreviver a esses instantes de lucidez e, mas de
insatisfação, se perpetua e acompanha o casal até a morte. O que
não sobrevive... Mas mesmo quando acaba, deixa vestígios de ternura
e encantamento na alma e na memória dos amantes, tenham ou não
consciência disso. Concordo, no entanto, com Vinícius de Moraes
quando acentua: “o amor é eterno, enquanto dura”. Afinal, amar,
ao contrário do que possa parecer, não é tão fácil quanto se
apregoa.
Para
que esse sentimento se manifeste e se realize, em sua plenitude,
temos que abrir mão de grande parcela do nosso egoísmo e do nosso
arraigado e não raro exacerbado egocentrismo. Apregoar o amor não é
difícil, pelo contrário. Senti-lo, também não chega a beirar a
impossibilidade e não envolve maior complexidade. Mas vivê-lo em
sua plenitude é que são elas! Certamente, voltarei ao assunto, ou
aos assuntos, ou seja, a Nelson Rodrigues e aos amores com finais
melancólicos.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Até aqui já me fez chorar. Espero que na continuação não tenha eu que passar pelo mesmo vexame.
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