Igreja
subterrânea
*
Por Frei Betto
Meia
centena de católicos de 18 países, inclusive do Brasil, se
reuniram, entre 11 e 15 de junho, em Pezinok, povoado vizinho a
Bratislava, capital da Eslováquia, para debater o tema “Reformas
da Igreja sob o papa Francisco: aonde vamos a partir daqui?”
O encontro, convocado pela Rede Internacional de Reformas Católicas (ICRN, sigla em inglês), ouviu os dramáticos depoimentos de cristãos que, em decorrência de sua fé, suportaram perseguições do regime comunista, oficialmente ateu.
Naquele
período, os contatos com Roma eram difíceis e arriscados. E nem
sempre a Cúria Romana demonstrou capacidade de compreender o
heroísmo daqueles cristãos que ousaram manter a Igreja viva, ainda
que clandestina.
Para
assegurar vida sacramental aos fiéis, bispos concederam o sacerdócio
a mulheres e homens casados, o que provocou, após a queda do Muro de
Berlim e a retomada do diálogo com o Vaticano, forte reação dos
setores conservadores.
Enquanto
o enfoque dos conservadores priorizava a ortodoxia doutrinária, a
disciplina eclesiástica e a integridade dos ritos romanos, ou seja,
a letra da lei, a Igreja subterrânea sofria para manter viva a fé
cristã, a fidelidade à Palavra de Deus, a vida litúrgica e
sacramental.
Durante
dez anos, entre 1980 e 1990, fui testemunha dessas comunidades de
catacumbas em países socialistas do Leste europeu, conforme descrevo
em “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista”, (Rocco).
Tive contatos, no Leste europeu e na China, com sacerdotes que
trabalhavam como operários; bispos que, em confidência, me
confessaram fidelidade ao papa; religiosas disfarçadas de simples
leigas e impedidas de viver em comunidade.
Em
condições também adversas, nós, frades dominicanos encarcerados
pela ditadura militar, celebrávamos a eucaristia com pão e suco de
uva, já que se proibia a entrada de vinho. Exceto quando o capelão
militar, arriscando a própria pele, nos provia da bebida
O
encontro na Eslováquia encerrou com o compromisso de se empenhar por
mais igualdade para as mulheres na Igreja; respeito e inclusão das
pessoas LGBT; e apoio aos novos modelos de paróquias e comunidades
cristãs.
Para
se inculturar, como exige o Evangelho, a Igreja jamais pode
sacralizar suas estruturas. Situações excepcionais exigem medidas
peculiares. É o caso da “Igreja com rosto amazônico”, tema do
Sínodo convocado pelo papa Francisco a se reunir em Roma, em
outubro de 2019.
A
necessidade de se criar um clero indígena terá que,
inevitavelmente, superar a obrigatoriedade do celibato e ordenar
sacerdotes índios casados, conforme previsto no documento vaticano
divulgado a 8 de junho, que prevê inclusive conferir às mulheres
algum “tipo de ministério oficial”.
A
Igreja nasceu rompendo os limites étnicos das religiões, ou seja,
católica, sinônimo de globalizada. Hoje, Francisco se empenha em
fazê-la cortar as amarras que dificultam sua missão evangélica,
como o eurocentrismo, o patriarcalismo, o clericalismo e o moralismo
preconceituoso e discriminador.
“Igreja
em saída”, como propõe o papa, significa romper o pesado casulo
eclesiástico de tradições que cheiram a mofo de nobreza decadente,
e se tornar borboleta no voo ousado rumo ao mundo tão desigual do
século XX
*
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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