Ainda é privilégio
* Por Pedro J. Bondaczuk
A
leitura sempre se constituiu, na maior parte da História – tanto a
mais remota, quanto a moderna e até a recentíssima, que classifico
de contemporânea – em privilégio a que pouquíssimas pessoas
tinham (e em alguns casos ainda têm) acesso. Durante milênios, por
exemplo, era algo impossível, já que sequer havia sido inventada a
escrita.
Após
essa revolucionária invenção, continuou sendo restrita a um número
incipiente de indivíduos, os raros que entendiam os símbolos
convencionados (no caso as letras) criados para expressar pensamentos
e sentimentos e registrar fatos e informações e que sabiam,
portanto, como interpretá-los e utilizá-los.
Ademais,
os meios físicos existentes para receber os textos (em princípio
rochas talhadas, depois tabuinhas de barro e na sequência papiros,
peles de animais etc. até se chegar ao papel como o conhecemos hoje)
eram raros. E, portanto, caros.
Mais
escassos ainda, por sua vez, eram redatores. E os meios de difusão
de textos, muito mais ainda. O livro, tal como o conhecemos, passou a
ser difundido em relativamente larga escala apenas a partir de 1442,
quando Johannes Guttenberg deflagrou a maior revolução de todos os
tempos, com a invenção dos tipos móveis. Só a partir daí, seria
“universalizado”.
Isso,
todavia, não queria dizer que os escritores, a partir de então,
haviam recebido, de bandeja, de mão beijada, vasta clientela a quem
destinar suas obras. Havia, ainda, um obstáculo imenso a ser
transposto: a alfabetização.
Até
meados do século XIX, eram pouquíssimos os que sabiam ler e
escrever, e isso em centros bastante avançados cultural e
materialmente, como a Europa e os Estados Unidos. No Brasil... a taxa
de analfabetismo beirava, então, os 100%.
Hoje,
há países em que, virtualmente, já não há mais nenhum
analfabeto. Todavia, nem todo alfabetizado é “consumidor” desse
produto de tamanha importância. Na Europa e nos Estados Unidos, por
exemplo, onde a leitura é razoavelmente difundida, seu “consumo”
está aquém, muito aquém do verdadeiro potencial. Nem todos os que
“sabem” ler gostam de fazê-lo.
No
Brasil, então, o número de leitores habituais, mesmo que apenas de
jornais e revistas (e até os de histórias em quadrinhos), não
chega a 10% dos verdadeiramente alfabetizados, que nem mesmo são
muitos, porquanto temos que levar em conta os “analfabetos
funcionais” (muitos dos quais, até, com diplomas de segundo grau).
A
leitura, portanto, foi, por 12 mil anos e continua sendo atualmente
(agora por razões diferentes), privilégio para poucos, diria,
pouquíssimos. Daí não me preocupar em demasia com a quantidade dos
que me honram com sua leitura, mas concentro minhas expectativas na
“qualidade” dos que me leem.
Quero
ter muitos leitores, sim, e quantos mais, melhor. Porém que sejam
conscientes, críticos e que verdadeiramente amem essa aventura do
espírito, que tende a melhorar, em todos os sentidos, quem é
contaminado por esse bendito “vírus”.
Defendo
a necessidade das pessoas lerem todos os tipos de textos que lhes
caiam em mãos, mesmo os considerados nocivos por alguns (como os
livros do Marquês de Sade, por exemplo, escabrosos e frutos de mente
doentia, que chegam a dar engulhos nos mais sensíveis), mas com
espírito crítico aguçado, para distinguir valores de vícios;
beleza de horror e o sublime do horrendo etc.
O
filósofo e político inglês, Francis Bacon, escreveu, a esse
propósito: “Há livros de que apenas é preciso provar, outros que
têm de se devorar, outros, enfim, mas são poucos, que se tornam
indispensáveis e que, por assim dizer, se deve mastigar e digerir”.
Para
fazer essa distinção, contudo, faz-se necessário, reitero, ler de
tudo. Mas, insisto, essa leitura tem que ser feita com o senso
crítico devidamente aguçado, para não se confundir o “manjar dos
deuses” com simples excremento e não se “devorar” este último,
achando que se está comendo o primeiro.
Tanto
quanto ler, é necessário desenvolver a escrita.. Se a leitura
continua sendo privilégio para poucos (e a Unesco informa que um
quinto da humanidade ainda é constituído de analfabetos), imagine
contar com essa habilidade rara e nobre!
É
uma bênção, é um talento que não tem preço, mas que deve ser
melhorado sempre e sempre e sempre, até se aproximar da perfeição
(embora esta seja interdita a nós, humanos). Porquanto o já citado
Francis Bacon também observou, com propriedade, sabedoria e lucidez:
“A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança e a
escrita, exatidão”.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Fiz o passeio mastigando sua escrita. Está aqui, de graça, para todos nós. Eu aproveito.
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