Muitas
perguntas e uma impressão
“O
que escrever?”. Foi com essa preocupação que despertei nesta
manhã, ciente de que teria extensa pauta a cumprir, sem muito tempo
para raciocinar. No que se refere a textos jornalísticos, não há
problema. Basta ler com atenção o noticiário nos meios de
comunicação e comentar aquele fato que minha sensibilidade e
intuição indicarem que é o mais relevante do dia. Esse é o
procedimento padrão de comentaristas de jornal. Não há motivos,
pois, para sair desse roteiro.
Mas...
o que escrever neste espaço voltado para a literatura, e sem ser
repetitivo, tendo em conta que a esta altura do ano já abordei 336
temas literários diferentes? Não se trata de falta de assunto.
Trata-se de selecionar um, apenas um, mas que tenha potencial de
prender a sua atenção. Ninguém, afinal, desperdiça tempo e
fosfato para escrever o que não tem chance de ser lido por quem quer
que seja. Ou cuja leitura seja feita de forma apressada, automática,
sem atentar para o conteúdo.
O
dilema persistiu por uns quinze minutos, ou pouco mais, enquanto
fazia minha higiene pessoal e tomava o café da manhã (e só café
mesmo, puro, forte e com pouco açúcar, sem comer nada, como é meu
péssimo costume de já muitos anos). O que escrever? Essa era a
pergunta que não queria calar e cuja resposta se tornava mais
urgente, à medida que o tempo passasva.
Ao
entrar em meu gabinete de trabalho, ainda não havia tomado uma
decisão. Esclareço que esse tipo de relutância me é raro, posto
que não inédito. Via de regra, decido o assunto a ser abordado na
véspera. Não fiz isso, porém, ontem.
Vai daí... Foi quando vi na escrivaninha, ao lado do computador, um
livro que ganhei recentemente de um amigo, cuja leitura concluí
sábado. Trata-se de “A sala de vidro”, de Simon Mawer, tradução
de Julián Fucks, recente lançamento da Editora Record.
Mas,
então, veio a principal questão. Como escrever a respeito de um
autor sobre o qual conheço tão pouco? Ainda mais seguindo o meu
roteiro habitual, de não resenhar as obras que abordo (nunca me
ative a resenhas), mas comentar o que mais me chama a atenção no
texto e, sobretudo, na vida de quem o redigiu?. Na realidade, conheço
tão pouco a propósito de Simon Mawer (confesso, no caso, minha
abissal ignorância)!
O
que sei dele? Sei que nasceu na Inglaterra. Muito bem, já é um
começo. Mas onde? Em Londres? No interior? Não tenho essa
informação. E quando o escritor nasceu? Não sei! Portanto,
desconheço (óbvio) sua idade. Seria isso relevante? Em alguns
casos, sim, em outros não. O que mais sei a respeito de Mawer? Sei
que passou parte da infância na Inglaterra e outra parte, em outras
duas ilhas (em Chipre e em Malta). Não deixa de ser coincidência
digna de nota essa sua, digamos, “insularidade”.
Outra
coisa que sei a seu respeito é que a sua formação acadêmica é a
de biólogo. Ah, isso explica o fato de dois de seus livros (um de
ficção e outro de não-ficção) terem algo a ver com Biologia,
Refiro-me ao romance “O anão de Mendel” e “Gregor Mendel:
planting the seeds of genetics”, cuijo gênero desconheço, porque
não o li e sequer foi traduzido para o português. Continuo achando
que as informações que tenho de Simon Mawer ainda são
insuficientes.
O
que mais seis dele? Sei que reside na Itália. Relacionando os fatos,
até entendo (ou pelo menos julgo entender) o que o levou a escrever
o livro “A place in Italy”, que também não é de ficção. Não
entendo como há tão escassa informação a propósito de um
escritor de tanto sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Afinal de
contas, não é todo mundo, e não são todos os dias que alguém é
finalista do renomado prêmio literário “Booker Prize”. E Mawer
o foi,
justamente com o livro que acabo de ler, “A sala de vidro”. Um
outro romance seu, “A queda”, já havia sido premiado com o
“Boardman Tasker Prize”. Como se vê, não é um escritor
qualquer.
Além
dos livros citados, escreveu, também: “A jealous God”, “A cruz
amarga”, “Chimera”, “O Evangelho segundo Judas” e “Swimming
to Ithaca”. Três dessas obras foram lançadas no Brasil. Pelos
títulos, vocês deduzirão, facilmente, quais são.
“E
sobre A sala de vidro você não vai falar nada”?, certamente
estará perguntando o impaciente leitor. Não, não vou. Apenas
compartilho com vocês uma das tantas indagações que a leitura
desse romance me suscitou: “por que, diabos, um biólogo se meteu a
escrever sobre arquitetura? E mais, por que se propôs a esboçar um
panorama histórico, abrangendo um período entre as duas guerras
mundiais do século passado, através da trajetória de uma família
judia? E mais, ainda; por que um biólogo britânico, travestido de
escritor (e bom escritor) situou seu romance na antiga
Checoslováquia, mais especificamente na cidade de Brno?”
“A
sala de vidro”, embora ficcional, é um precioso documento não
apenas de uma época dramática, mas das delícias e agruras do
casamento e cujo autor se preocupa com tantas outras coisas, como a
arte, o Holocausto, o sexo, a solidão, o terror, a traição, a
indignidade, a arquitetura e a música. Pois é, de pergunta em
pergunta, consegui, pelo menos, chegar a uma conclusão. Aliás, a
duas. A primeira é que Simon Mawer é excelente escritor, desses
pelos quais a gente se apaixona à primeira leitura. A segunda, é
que não preciso mais me preocupar sobre o que escrever.
Boa
leitura
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Essa facilidade é para poucos.
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