Sabedoria indígena
*
Por Risomar Fasanaro
Ouvi em uma palestra do
deputado Luís Grenhalgh, que certa vez houve, aqui no Brasil, um
intercâmbio entre brancos e índios, para propiciar às crianças de
ambos os povos a oportunidade de conviverem alguns dias e, assim,
entrar em contato com uma cultura diferente da sua.
Por infelicidade, durante sua
permanência entre os brancos, uma criança indígena adoeceu
gravemente, e por mais que tentassem, os médicos já não lhe davam
nenhuma esperança de vida.
Três emissários foram
enviados à tribo da criança enferma, para buscar o pai que, daquela
forma, poderia dar-lhe o último adeus. Era preciso pressa, a máxima
urgência, pois a criança já estava agonizando.
Chegando à aldeia, os
enviados explicaram o que acontecia, e pediram ao índio que os
acompanhasse, pois poderia, quem sabe, ainda encontrar o filho com
vida.
O veículo que os transportava
à cidade corria muito. Tanto que perdendo seus contornos, a paisagem
deslizava em manchas verdes, amarelas, vermelhas, mais parecendo uma
pintura abstrata. Cada segundo se tornava precioso, por isso o carro
seguia seu vôo desvairado.
Após alguns quilômetros de
percurso, o índio, que se mantivera em silêncio todo o tempo, pediu
que parassem o veículo. O motorista diminuiu a velocidade e parou o
automóvel. Feito isso, o índio desceu calmamente, dirigiu-se a uma
imensa árvore frondosa e sentou-se à sua sombra. Ali ficou um longo
tempo imóvel e em silêncio.
Os missionários, nervosos,
não entendiam o que estava se passando. Cansados de esperar,
chamaram-no de volta ao carro; mas ele apenas acenou a mão, em sinal
de espera. Para desespero dos homens brancos, o indígena parecia não
se dar conta de que o tempo se escoava e que, com aquela parada
diminuíam, cada vez mais, as chances de encontrar a criança com
vida.
Depois de longo tempo, o
próprio índio resolveu levantar-se e voltar ao carro. Como não
lhes desse qualquer explicação, um dos emissários resolveu
perguntar o motivo daquela parada. Então, calmamente o índio
respondeu:
-É que vocês correram tanto,
que minha alma ficou lá atrás, e eu precisava esperar por ela, para
continuar a viagem.
Sem perceber, muitas vezes
agimos como aquele índio. Seguimos velozmente pela vida deixando
nossa alma pelo caminho. Seguimos sem ela e, o que é pior, nem nos
damos conta de onde a deixamos. E muitas vezes com a pressa, a
desatenção, corremos o risco de perdê-la para sempre. De seguir
pela vida como um zumbi, ou um robô.
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Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e
escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra
vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto
por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro.
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