Os
herdeiros esquecidos de Gonzagão
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Por José Teles
Em
meio a toda badalação em torno do centenário de Luiz Gonzaga, foi
relegado a um injusto descaso um capítulo dos mais importantes da
saga iniciada em 1908, quando os irmãos Januário e Pedro Anselmo,
vindos do Sertão do Pajeú, chegaram ao Araripe. Os dois conheceram
as irmãs Ana e Maria, conhecidas como Santana e Baia. Em 1909,
Januário casou com Santana, Pedro com Baia. Em 13 de dezembro de
1912 nasceu Luiz Gonzaga que anos mais tarde levaria os pais e os
irmãos para o Rio de Janeiro.
O
capítulo de que poucos lembram são os netos e bisnetos de Januário
e Santana, que moram em Santa Cruz da Serra, em Caxias, Baixada
Fluminense, no Rio de Janeiro. Formam um clã com cerca de 80
pessoas, todos vizinhos. São 15 casas construídas em um terreno
comprado por Luiz Gonzaga ao compositor Ataulfo Alves há 56 anos.
Todos são nascidos no Estado fluminense.
As
filhas e filhos dos irmãos e irmãs de Luiz Gonzaga já passaram dos
50 anos, alguns estão chegando aos 60. Seus descendentes também já
são adultos. E mantêm viva a memória dos antepassados. Ninguém
conhece mais a história da família do que eles: “Tio Gonzaga
vinha sempre nos visitar. Porque as irmãs moravam todas aqui. Queria
visitar uma, visitava todas”, diz Ana Lídia, 58 anos, viúva,
filha de Muniz (Raimunda), falecida no ano passado, ressaltando que
Gonzagão tinha uma preocupação de pai com as irmãs e sobrinhas:
“Ele chegava e ficava reclamando do cabelo de uma, da roupa da
outra. Sempre esteve presente”, continua Ana Lídia, que recebeu a
reportagem do Jornal do Commercio na casa, simples, mas espaçosa
confortável, que Gonzagão deu de presente à sua mãe. No quintal,
com ela estão irmãos primos, filhos e sobrinhos.
O
clã Gonzaga assemelha-se a uma tribo de índios longe do seu lugar
de origem. Apega-se ao idioma e à tradição para não perder a
identidade. A tradição dos Gonzaga está presente por toda parte da
casa: dos panelões onde mãe Santana (como a avó é chamada)
preparava os almoços dominicais do clã a uma placa Rua Zé Gonzaga,
na parede do alpendre da casa, lembrança do tio, falecido em 2002,
que foi também cantor famoso. No entanto produtores culturais,
autoridades competentes, nunca se lembram deste lado A que virou lado
B quando homenageiam o Rei do Baião.
Ninguém
do clã foi, por exemplo, convidado nem sequer para assistir ao
desfile das escolas de samba no Carnaval deste ano. Viram pela TV a
Unidos da Tijuca vencedora do carnaval 2012, tendo como tema o tio
Gonzagão: “Para mim aquilo não foi homenagem a tio Gonzaga, foi
mais ao Nordeste, a Vitalino”, comenta Ana Lídia. Assim como não
foram lembrados no Carnaval, tampouco o foram pela produção do
filme Luiz Gonzaga de pai para filho, de Breno Silveira, que teve
avant-première no Festival do Rio, no Cine Odeon, e teve estreia
nacional na sexta-feira.
É
como se existissem duas famílias Gonzaga. A da Baixada Fluminense, e
a da Zona Sul Carioca, formada pelos filhos de Gonzaguinha: “Não
tenho contato com Daniel, nem com as irmãs dele. O próprio
Gonzaguinha vinha pouco aqui. Aparecia mais quando Gonzaga estava.
Agora este filme ninguém da família viu. Eu nem sabia da estreia,
não fomos convidados. Eu gosto de ir a eventos que tenham a ver com
tio Gonzaga, mas só quando sou chamada. Este ano fui muito nas
escolas (ela já foi professora), fizeram muita homenagem a tio
Gonzaga”.
A
opinião de Ana Lídia sobre o filme é mais ou menos um não vi e
não gostei: “Pelo pouco que assisti na TV, pelo que contou
Joquinha, meu irmão, que viu no Recife, me parece meio fantasioso.
Tem coisas que não aconteceram. Eles não vieram aqui, portanto
perderam de saber a verdadeira história", arremata.
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Jornalista e crítico musical
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