Indução ao estudo
A Literatura, entre tantos
benefícios que nos traz (e são inúmeros), apresenta um, todo
especial, àqueles que realmente levam as letras a sério e fazem da
atividade missão de suas vidas: induz-nos ao estudo.
Já li, por exemplo, uma
infinidade de livros especializados, de filosofia, psicologia,
sociologia, ciências políticas, psicanálise etc. e até de
arquitetura, apenas para compor o perfil de alguns personagens ou
descrever cenários sem escrever bobagens.
Há quem não se dê conta
dessa necessidade de estudar e garanta que escreve todos os seus
livros, sem exceção, apenas, na base da “inspiração”. Deve
ser algum gênio. Ou alguém onisciente, que não precisa aprender
coisíssima alguma. Ou, o que é mais provável, um sujeito iludido,
que certamente quebrará a cara tão logo tente ingressar no
concorrido mercado editorial.
É verdade que grande parte do
conteúdo dos livros que escrevemos baseia-se na observação. Para
escrever o conto “Hora H”, por exemplo, cheguei a expor a risco
real minha integridade física e quem sabe minha vida, infiltrando-me
numa quadrilha especializada no roubo de rolex, no centro de São
Paulo e tomando ciência, por esse perigoso meio, de seus
receptadores. Se fosse descoberto... Ai, ai, ai, não sei o que
poderia me acontecer. Mas, certamente, não seria nada de bom.
Compete ao escritor de ficção
buscar o maior rigor possível, não somente na linguagem empregada,
mas principalmente nas informações que traz ao leitor. Não sei
como vocês, meus colegas, agem, mas da minha parte não escrevo,
especificamente, para meus contemporâneos, para as pessoas de hoje,
do meu tempo, do século XXI, mas faço-o de olho no futuro, nos
bisnetos dos meus netos.
Eles é que irão determinar
meu sucesso ou fracasso. Se nenhum dos meus livros chegar às mãos
desses leitores do século XXII, se meus textos se perderem no tempo
e virarem pó, como um dia, certamente, eu virarei, terei fracassado
redondamente. Meu empenho e minha paixão pela literatura terão sido
vãos. Caso contrário... É um risco que corro, cujos resultados
(bons ou ruins) obviamente não verei.
Essa necessidade de estudo,
para assegurar rigor e precisão por parte do escritor, é ainda mais
premente para os que concentram tudo o que têm a dizer ao mundo em
um único e decisivo livro. Esses, não têm como se corrigir em
obras posteriores. Não podem, portanto, errar. Há muitos escritores
assim. Exemplo? Juan Rulfo, com o seu “Pedro Páramo/Planalto em
chamas”, tratando da Revolução Mexicana de 1910.
Depois dessa obra, não nos
brindou com nenhuma outra. E precisava? Se você ainda não leu esse
livro, leia-o, com a devida atenção, e sentirá a força, a
veracidade e a paixão de Juan Rulfo, perpetuadas em seu vibrante e
incisivo texto.
O que aprendermos nesse estudo
destinado, muitas vezes, a preparar o alicerce, a estabelecer as
bases para um único livro (às vezes, menos do que isso,
simplesmente para compor um único personagem) traz-nos a vantagem
sobressalente de se incorporar, automaticamente, à nossa revelia, ao
nosso acervo de saber. Ninguém conseguirá nos tirar isso nunca
mais.
Este é um ponto no qual tenho
insistido bastante nas frequentes palestras que faço para
estudantes. Destaco que não se deixem levar pela ideia equivocada de
que, num repente de “inspiração”, conseguirão escrever um
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ou uma “Divina Comédia”
ou um “Crime e Castigo”. Até pode ocorrer esse tipo de
“milagre”, mas a probabilidade de que isso aconteça é de uma em
um trilhão.
Compete-nos ser os mais
precisos possíveis em tudo o que escrevermos. Para tanto, precisamos
ser aplicados, disciplinados, estudiosos e, sobretudo, observadores.
Nossos personagens, para serem verossímeis, têm que acessar, por
exemplo, a internet. Têm que assistir TV em HD, em monitor de tela
plana de plasma. Devem frequentar estádios de futebol e torcer por
algum time. Ou, se preferirem, ser fãs de vôlei. Se jovens, é de
se esperar que frequentem baladas, mesmo que vez ou outra. E, quem,
sabe até, são capazes de arriscar a pele e subir os morros do Rio,
na hora de algum tiroteio entre policiais e traficantes ou destes
entre si.
Realismo absoluto é o que a
boa ficção hoje requer. Não temos (e jamais teremos) a mínima
noção sobre em que mãos esses textos irão cair e quando isso irá
ocorrer. Reitero, pois, o que já afirmei inúmeras vezes neste
espaço: somos testemunhas do nosso tempo, cronistas deste período
limitado da história humana.
Quanto mais precisos e
rigorosos formos, melhor seremos entendidos (e apreciados,
provavelmente) por ávidos leitores dos séculos XXII, XXIII, XXV,
XXVIII, XXX, isso, claro, se nossas obras se preservarem até lá e
que certamente viverão, pensarão e agirão de maneira diferente da
nossa.
Boa leitura!
O Editor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário