Em vez de carne, livros
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Por Aliene Coutinho
Ele leu o primeiro livro aos
18 anos e centenas de outros em seguida, de todos os estilos. Se
existe “A menina que roubava livros”, ele é o cara que devora
livros. Mas, ele não os conserva em estantes como decoração, passa
para frente. Quer dividir com todos o conhecimento adquirido.
Transformou o açougue na Asa Norte de Brasília em espaço cultural.
É o único açougue do mundo freqüentado até por vegetarianos. Tem
carne, tem livro, tem música, tem poesia.
E nessa democratização da
cultura, fez de um ponto de ônibus uma biblioteca. Projeto,
iluminação, tudo da cabeça dele, e os livros doados pela
comunidade somam seis mil títulos. Na parada da quadra 712, também
na Asa Norte, quem espera o ônibus, lê, e quem perde o ônibus
ganha tempo para ler mais ainda. Pode levar para casa e devolver
depois. Em uma semana, foram 1.110 empréstimos e sem burocracia.
Para pegar o livro, basta escrever numa prancheta afixada em cada
prateleira, nome e número de identidade. Parece ficção, mas está
funcionando 24 horas por dia, todos os dias da semana. Quem costuma
ficar na parada garante que não roubam nem a caneta. Fica tudo ali,
à disposição, não tem ninguém vigiando, ou sequer atendente.
É quase um desafio. Luiz
conta que na inauguração a polícia o alertou para possíveis
roubos e vandalismo. Não deu bola. “Que levem. Assim alguém vai
ler. Livro triste é livro na estante”. A Lena, uma estudante de
pouco mais de 15 anos, que mora longe e fica quase meia hora todo dia
esperando o ônibus, descobriu isso. Agora, em vez de ficar
reclamando do atraso, ou roendo as unhas, lê. Já pegou emprestado e
dividiu os poemas de Cecília Meirelles com a mãe e a irmã.
Outro dia passei por lá, fui
ver de perto o que assisti na tv. É uma dessas paradas de concreto,
com banco, ao redor ficam os livros dispostos em prateleiras abertas
de metal, na parede de fundo, mais exemplares e ao lado foram
colocadas duas pequenas tendas com mais livros. Em frente o vai-e-vem
dos ônibus. Era um fim de tarde, hora da saída do trabalho ou da
escola. Enquanto esperavam a condução, as pessoas viam, liam e
respiravam livros. Observei um grupo mais distante olhando
curiosamente, me fiz de boba, e perguntei se eles sabiam o porquê de
tantos livros. Ressabiados me responderam que com certeza era para
vender. Tentei explicar o que havia “apurado” nos poucos minutos
que estava ali. E eles responderam: “Quem é o louco que teve essa
idéia? Isso não vai durar muito”.
O louco se chama Luiz Amorim,
que adora os clássicos e não clássicos, que acredita que a leitura
leva à reflexão e nos faz crescer. Assim como aconteceu com ele,
que foi alfabetizado aos 16 anos e até hoje revela o mundo e a vida
para quem quiser, num açougue, ou num ponto de ônibus.
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Jornalista,
professora de Telejornalismo.
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