Coca-Cola
em Pessoa
* Por
Marcelo Sguassábia
Pouca
gente sabe, mas o grande Fernando Pessoa já fez free-lance para a
Coca-Cola nos anos 20, quando da entrada da bebida no mercado
português.
– E
então, senhor Fernando? Já temos o nosso slogan?
– Aqui
está. “Coca-Cola. Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se”.
Que me diz?
– Bem…
eu entendi o jogo de palavras, muito engenhoso, diga-se. Mas…
– Mas?
– Eu
não gostei da primeira parte da mensagem, a impressão que se tem é
que o nosso produto causa uma reação negativa. Senhor Fernando
Pessoa, se estivesse em meu lugar, precisando de resultados e vendas,
sendo cobrado pela matriz e necessitando consolidar a Coca-Cola no
mercado lusitano, iria aprovar uma barbaridade dessas?
– Ora
pois, que há de errado com o reclame?
– Ao
usar o termo “estranhar”, o nobre escritor já levanta a lebre
que a bebida pode parecer a princípio repulsiva.
– Mas
só a princípio. A segunda parte do slogan já rebate essa
estranheza.
– Eu
entendi o seu raciocínio. Na sequência, temos o “depois
entranha-se”, querendo dizer que, logo em seguida, o refrigerante
passa a ser apreciado. Mas, olha, serei sincero: esse “entranha-se”
também não me agrada de forma alguma. Entranha me lembra víscera,
tripa, o que não combina nem um pouco com a sensação de sabor e
refrescância prometidos pela nossa deliciosa Coca-Cola.
– Devo
entender então que a minha frase foi reprovada por completo? O
senhor está fazendo pouco do grande Fernando Pessoa, um gigante à
altura de Camões? Um gênio tão inspirado que, não se bastando,
teve de criar heterônimos para dar vazão a tudo o que tem a dizer?
– Heterônimos?
– Sim.
Tenho dezenas deles, mas quatro são mais famosos: Alberto Caeiro,
Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares.
– Entendi.
Eu tenho uma sugestão a fazer: por que você não passa a criação
do slogan para esses quatro amigos seus? Vai que sai alguma coisa que
preste…
– O
senhor não entendeu coisíssima nenhuma. Os quatro são eu mesmo. Eu
os criei, cada qual com um estilo peculiar.
– Então!
Mais um motivo para passar esse trabalho a eles. Serão quatro
estilos diferentes pensando no nosso slogan. Isso é até bom, pois
as opções serão provavelmente bem diversificadas. Vocês fazem uma
concorrência entre si, e quem fizer o melhor fica com o dinheiro do
freela.
– Mas
todos eles são uma única pessoa. O senhor sabe o que são
heterônimos?
– Olha,
não me interessa se é heterônimo, se é Jerônimo, se é Antônimo,
se é Anônimo, o que eu quero é o meu slogan. E que seja único e
original, como é a Coca-Cola!
– Bem,
eu tenho aqui comigo uma segunda opção. Algo assim: “Tudo vale a
pena se a Coca não é pequena”. Profundo, heim?
– Então,
mas aí o senhor valoriza demais os outros tamanhos do refrigerante,
e ao mesmo tempo diz que a Coca pequena não presta. E é das
pequenas que vendemos mais! Por favor, senhor Pessoa. Admita que as
opções não está lá essas coisas e bote novamente essa sua
privilegiada cabeça pra funcionar. A sua e a dos seus amigos, esse
Jerônimo e tudo mais. Boa sorte, nos falamos na próxima semana.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Que Coca-cola prefiro? Até tomo, uma a duas vezes ao ano, mas bom mesmo é a Coca-cola em Pessoa. Em Fernando Pessoa.
ResponderExcluir