Menor sensatez
O
ser humano é um animal tão complexo porque não é movido, como os
demais, apenas por instintos. Conta com um diferencial importante que
o distingue, ou seja, a consciência, a capacidade de entendimento
chamada genericamente de inteligência, o raciocínio, enfim, a
razão. A esses ingredientes junta, ainda, o da emoção, que é um
misto do instintivo com o racional.
Não
se conhece ninguém (provavelmente nunca houve) ninguém mesmo que
tivesse “apenas” uma dessas características. Ou seja, que fosse,
por exemplo, movido exclusivamente por instinto. Ou que se mostrasse
absolutamente racional, sem nada de instintivo ou de emocional em
suas atitudes. Ou que fosse só sentimentos, em detrimento dos
instintos e da razão. A “mistura” disso tudo é que varia de
pessoa para pessoa.
Alguns
são mais instintivos do que outros, mas têm, também, racionalidade
e emoção. O mesmo vale para as outras características. Ou seja, há
os que se mostram mais racionais e menos instintivos ou emotivos. E
os que têm como característica preponderante a emoção. Já me
perguntaram, quando levantei a questão, qual desses tipos é o
melhor. Bela pergunta! Mas capciosa! Creio que dá empate triplo.
Todos têm lá suas vantagens e desvantagens, desconfio que nas
mesmas proporções.
Amiúde
vemos pessoas agirem movidas apenas pela emoção, contrariando toda
lógica. E se dão ora muito mal, ora muito bem. Para justificar esse
procedimento, há um adágio popular, que de tão repetido se
transformou em clichê, que diz que “o coração (e aqui não se
refere especificamente ao órgão cuja função é somente a de
bombear sangue para todo o corpo enquanto este se mantiver vivo, cuja
tarefa para esse fim é, obviamente, essencial, mas a uma metafórica
sede das emoções) tem razões que a própria razão desconhece”.
E tem mesmo.
E
quem é mais feliz, o racional, o emotivo ou o que prioriza os
instintos? Também é impossível de determinar. Não há esse
reducionismo implacável e definitivo na vida. Vários fatores têm
que ser levados em conta, entre os quais as circunstâncias. Mais uma
vez, portanto, opto pelo triplo empate.
O
escritor francês, Raymond Radiguet, tem opinião diversa. Prioriza
as emoções, não somente em relação aos instintos, mas,
principalmente, à razão. Escreveu, a propósito: “Se o coração
tem razões que a própria razão desconhece, isso deve-se ao fato da
razão ser menos sensata do que o coração”. Será? Também não
posso assegurar nem que esteja certo e muito menos errado. Você,
inteligente leitor, tire suas próprias conclusões se ele tem ou não
razão.
Aliás,
este é outro dos tantos escritores sumamente polêmicos, dos que
reúnem ao seu redor fanáticos adeptos e ferozes adversários. Foi
um talento precoce. Sequer chegou a amadurecer, como ser humano.
Viveu, apenas, meses a mais do que vinte anos. Nasceu em 28 de junho
de 1903 e morreu em 12 de dezembro de 1923. Viveu intensamente e
morreu antes de atingir, reitero, a maturidade. E já nem digo a
literária, mas a literal, a humana.
Embora
tenha sido famoso em seu tempo e apesar de sua principal obra, o
romance “O diabo no corpo”, ter sido levada ao cinema, em duas
versões diferentes (em 1947 por Claude Autant-Lara, estrelado por
Gérard Philipe e em 1986, adaptada por Marco Bellocchio), é
relativamente desconhecido no Brasil. E, ademais, esquecido na
Europa.
Garotão
talentoso, que com 16 anos de idade já era jornalista bastante
requisitado em Paris, Radiguet associou-se a um grupo modernista que
viria a fazer história nas artes.
Faziam
parte deste círculo “feras” do porte de Jean Cocteau (que se
tornou seu mentor e as más línguas diziam que seria seu amante),
Juan Gris, Max Jacob e Pablo Picasso, entre outros. Como se vê, um
elenco da pesada. Por sua precocidade, era mais conhecido como
“Monsieur Bebê”. Ao o que Ernest Hemmingway, seu desafeto,
acrescentou “Bebê Depravado”.
Em
uma época em que as relações sexuais eram descritas mediante
eufemismos, mais sugeridas do que propriamente descritas, as
histórias de Radiguet estavam repletas de cenas picantes. Todavia, o
jovem escritor se impôs não exatamente pelos seus enredos (apesar
destes terem virado filmes muito depois da sua morte), mas por sua
escrita sóbria e correta e seu estilo definido e objetivo. Supõe-se
que, se vivesse mais anos, por exemplo até os 60, poderia ter
produzido obras ainda mais profundas e valiosas (ou não, claro).
Radiguet
morreu em decorrência de febre tifoide, que contraiu durante uma
viagem ao exterior que fez na companhia de Jean Cocteau. Seu segundo
(e último) romance, “Le bal Du Comte d’Orgel”), foi publicado
postumamente, um ano após sua morte. O jovem escritor, o “Monsieur
Bebê”, deixou, ainda, alguns poemas e uma peça teatral, que não
tiveram o mesmo êxito de seus dois romances.
Concentrei-me
na figura de Raymond Radiguet, aparentemente fugindo do tema destas
reflexões, meio que de propósito. Essa aparente mudança de assunto
teve triplo objetivo: Trazer à baila um bom escritor, um talento
precoce que está um tanto esquecido; ressaltar sua falta de
maturidade que, no entanto, não ofuscou sua genialidade e
justificar, dessa forma, o fato dele priorizar o “coração”, ou
seja, os sentimentos, em detrimento da razão. Afinal, na sua
idade... os hormônios tendem a ofuscar os neurônios.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Gostei desse mix aparentemente confuso, mas que se mostrou uma boa explicação.
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