Madrugada quente
* Por
Eduardo
Oliveira Freire
Yolanda
chegou cansada do trabalho.
A
primeira coisa que viu foi a Olivetti sobre o sofá-cama. A madrugada
avançava. A quitinete estava um forno e mesmo com a janela
escancarada, não vinha sequer uma brisa. Yolanda (só de calcinha)
escrevia alguns poemas, sentada no sofá-cama e com a máquina de
escrever portátil sobre os joelhos. As horas passavam, o calor
continuava. Ela parou de escrever e foi beber água. O seu corpo
estava todo suado. Decidiu tomar banho para se refrescar. Não
adiantou, a água estava quente.
“Está
tão quente, que parece que vou derreter, aliás, que tudo em minha
volta se transformará numa poça de suor”.
Quando saiu do banheiro, lembrou-se da discussão com Clara, que a
chamou de alienada. Revoltada, Yolanda respondeu que tinha
consciência dos problemas que o país estava passando: a repressão
militar e as mazelas sociais, mas que não podia se esquecer de sua
família, principalmente da mãe, que estava muito doente.
Às
vezes sentia raiva, queria ser sozinha para seguir os seus ideais e
desejos. Andou em direção à janela. Recordou que a mãe lhe dizia
sempre: –
Você é que nem um passarinho. Frágil, mas livre –.
Calor, sono, pensamentos e poemas por passar a limpo se misturavam.
Estava tão cansada, que dormiu entre os papéis e a Olivetti. No
meio de tanto desconforto, ficou o último poema que acabara de
passar a limpo:
“A
verdadeira nudez é caótica.
Não
se pode entendê-la, mas senti-la.
Deve-se
buscar o lado animalesco
e
deixar o humano de lado”.
Yolanda Ferreira
*
Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural
e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/
Jamais imaginaria uma comparação assim. Diria ser a nudez algo simples. Não a tinha imaginado caótica, como a poeta diz.
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