Apenas de passagem
* Por Pedro J. Bondaczuk
Influenciado
pela magia da literatura de Jorge Luís Borges, sou, desde criança,
fascinado por labirintos. Aliás, esse é um tema recorrente nos meus
textos literários. Escrevi, por exemplo, há mais de quatro décadas,
um poema a respeito, que é, das minhas obras, a que mais me orgulha
(em geral, detesto o que escrevo, sempre achando que poderia escrever
melhor). E por que esse fascínio por labirintos? Somente por
influência de Borges? Diria que “também”, mas “não só”
por isso. É que eles simbolizam a caráter nossa vida.
Quando
vimos ao mundo, somos absolutamente indefesos. Não conseguimos nos
locomover, nos sentar e sequer erguer a cabeça. Temos que aprender a
engatinhar, a andar, a falar e até, a nos alimentar. Tudo nos é
estranho, hostil e misterioso. Ao longo da vida, percorremos inúmeras
passagens desse labirinto que adentramos ao nascer, buscando
encontrar a saída. Em vão!
Ademais,
temos a incômoda intuição de que uma feroz assassina nos persegue,
passagem após passagem, visando a nos eliminar tão logo nos
encontre. Escapamos dela por um certo tempo, mas nunca por “todo o
tempo”. Um dia ela nos alcança e... zás! Adeus aos sonhos e às
ilusões. Refiro-me, claro, à morte.
E
qual a solução para usufruirmos a vida? Creio que é gozá-la até
onde nos for possível. Que é nos “presentearmos” com o máximo
de satisfações que pudermos conseguir, mas sem prejudicar a ninguém
e nem “usar” outras pessoas. Dessa forma, quando o “epílogo”
da nossa aventura se desenhar, não teremos que nos arrepender de
termos sido excessivamente espartanos e estupidamente rigorosos
conosco mesmos.
Temos
quatro maneiras de sair desse "labirinto" de mediocridade
em que nos metemos quando não temos um objetivo de vida coerente e
definido: fugir, lutar contra, esquecer ou agir. Ninguém irá
decidir por nós. E mesmo que delegássemos essa tarefa, nós é que
arcaríamos com as consequências. Haverá sempre, parodiando Carlos
Drummond de Andrade, “uma pedra no caminho". Elas existem em
profusão na vida de todos...Alguns, descobrem atalhos mais suaves e
chegam ao objetivo que traçaram. A maioria recua e aceita
passivamente a derrota. Mesmo com chances (posto que remotas) de
vencer…
A
sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo,
sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte. Estas vão desde os
aspectos orgânicos da mãe, para reter o óvulo fertilizado, até
sua vontade de gerar o novo ser que traz no ventre. Vão desde as
decisões dos líderes políticos no que se refere à guerra ou à
paz, até a possibilidade (sempre presente) de que uma catástrofe
cósmica venha a destruir este pequeno e insólito planeta azul do
Sistema Solar. E há uma infinidade de outros riscos que seria
redundante repetir, pois todos os conhecem.
Afinal,
o que é a vida? É, sobretudo, um mistério. É muito mais do que
meros conjuntos de aminoácidos combinando para formar proteínas
componentes de células, tecidos, órgãos, estruturas completas. Há
algo impalpável que anatomista algum, nenhum cientista, por mais
perito que seja, conseguiu isolar, separar, dissecar, posto que é
imaterial.
Os
decifradores do genoma humano, por exemplo, concluíram, entre outras
coisas, que um homem tem apenas o dobro dos genes de uma minhoca. E
estes, tomados de forma isolada, são não distinguíveis nas duas
espécies. O que, pois, torna esses seres tão diferentes? E por que
há a diferença?
A
ciência não consegue explicar. Se a origem e a natureza da vida são
tão misteriosas, mais ainda é sua finalidade. Por que nascemos? Há
um fim predeterminado? Qual é? Quem o determina e por que? Podemos
apenas especular a respeito. Jamais conseguiremos chegar a uma
conclusão absoluta, definitiva, consensual e inquestionável.
Agimos,
em geral, sem pensar em profundidade em nossos atos e suas
consequências. Não pensamos de maneira unitária. Nossas ideias são
dispersas, vagas, contraditórias. Temos que unificá-las...Mesmo que
a "marteladas"…
Os
verdadeiros prazeres, aqueles que justificam uma existência, são
simples e gratuitos. Estão ao alcance das mãos de qualquer um que
os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No
entanto, nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior
parte do nosso tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é
evidente, por masoquismo, pelo prazer de sofrer ou então por
maldade. Achamos, até mesmo, e com sinceridade, que estamos agindo
certo.
Nada
há que se compare, em termos de genuíno prazer, à sensação de
havermos cumprido o que nos cabia fazer. Ou seja, de termos feito
nosso dever com diligência, dedicação e competência. Aliás, há
outro, sim, e único. É a certeza de havermos realizado um bem,
qualquer que seja, a algum semelhante – conhecido ou estranho,
parente ou não –, que tenha qualquer necessidade (material ou
espiritual): uma dádiva, um auxílio, uma palavra de apreço, uma
orientação ou um exemplo.
Cumprirmos
nosso dever e fazermos o bem são fontes inesgotáveis de alegria.
Quem duvidar, basta experimentar. São satisfações “democráticas”,
ao alcance de todos, e não nos exigem nada de excepcional. Em
contrapartida, nos dão compensação inigualável.
A
propósito de prazeres, o poeta maranhense, Luís Augusto Cassas, tem
um poema intitulado “Epílogo” e que, de forma muito
bem-humorada, chega a idêntica conclusão a que cheguei de maneira
bem mais sisuda e talvez pedante. Diz:
“um
dia lambendo as nuvens
erguidas
em irmãs paisagens
a
sabedoria e a loucura
trocando
posters-figuras
verão
que o gozo é viagem
ritos
de humana passagem
e
erguendo aos céus nova taça
concluirão
tudo passa
saboreando
com arte
sorvete
de chocolate”.
Talvez
a maneira melhor de caracterizar minha busca por uma saída do
labirinto e minha certeza de um dia ser alcançado pela sanguinária
assassina que me persegue seja este "Epitáfio", do inglês
John Howard:
"Tímido
demais para vender
honesto
demais para ensinar
calado
demais para escrever
céptico
demais para pregar
altivo
demais para subir
cordato
demais para lutar
rasteiro
demais para cair
e
velho demais para mudar.
Como
veem, seria mesmo o cúmulo
eu
reivindicar aqui um túmulo;
aquém
do elogio, além do ultraje,
fui
só o que estava de passagem".
Embora
sem o talento de John Howard, há muito fiz idêntica descoberta. E
bem que poderia, um dia, que espero que esteja ainda muito distante,
ter esse enfático epitáfio, ao ser executado pela bestial
assassina. Principalmente a amarga constatação do verso final: “Fui
só o que estava de passagem”. Mas... de passagem para onde? Nem
Borges, nem ninguém poderiam me esclarecer.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Seremos o que éramos antes de nascer: o nada.
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